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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A sabedoria diante do inevitável

Procuro um amigo, proponho tomarmos uma cerveja.

- Podemos nos ver, mas não bebo mais.

Estranhei.

- Mas foi recomendação médica ou decisão própria?

- Decisão própria.

Tenho outros amigos que resolveram levar vida espartana, todos no intuito de viver mais. Uns cortaram o fumo (o mais comum). Outros praticam esportes como loucos. Acreditam que cada vez que fazem algo em 1 segundo a menos estão ficando mais jovens. Desconfio que, depois de certa idade, forçar demais o corpo é que prejudica a saúde. Mas eles contribuem para as hordas que enchem as academias.

Eu não vou a academia. Por temperamento, detesto movimentos repetitivos. E não acho saudável. Fazer ginástica em esteira ou aparelhos de musculação, para mim, é como mascar chiclete - você mastiga e mastiga, mas não está se alimentando. Academia não pode ser vida saudável.

O que eu faço? Quem escreve leva uma vida muito sedentária; por isso, tento o mais possível manter a atividade física (caminhar, cuidar do sítio, fazer trabalhos manuais). Pratico algum esporte (bicicleta, piscina, futebol com o filho), mas como diversão. Acima de tudo, porém, acho que a sabedoria da saúde está em aceitar o envelhecimento.

O avanço da medicina colabora para que vivamos mais. Porém, o homem contemporâneo também rejeita cada vez mais a ideia do envelhecimento e da aproximação da morte. Com medo de morrer, vai se privando das coisas boas da vida. E vai morrendo antes da morte.

O homem difere dos animais porque bebe, fuma, se comunica por símbolos e mantém outros comportamentos que definem a civilização. Só não deixa de ser um animal que morre. Quem tem religião pode aceitar esse fato com mais tranquilidade. Mas não há Deus nas academias. De alguma forma, todos temos de aceitar e lidar com o inevitável, não lutar contra ele. É o caminho da verdadeira sabedoria. E da saúde.

Tenho um amigo, médico, que está acostumado a lidar com doenças graves e a perspectiva da morte, com que lida diariamente no trabalho. Ele tem planejado o resto de sua vida útil, onde cabe desfrutar seus prazeres prediletos. Diz, por exemplo que depois dos 70 anos voltará a fumar. Por que, daí em diante, esse tipo de restrição não faz mais diferença.

Como médico, ele não pode recomendar a pacientes e familiares certas coisas que decidiu para si mesmo. Afirma que, quando ficar seriamente doente, prefere ficar em algum lugar aprazível, onde não exista atendimento médico, ou onde o atendimento seja tão remoto que não haja tempo de hospitalização.]

Acredita que o pior pesadelo de uma pessoa é justamente não morrer - ficar num estado crítico, sustentada por caros recursos da medicina, que prolongam a vida, mas em condições inumanas ou desumanas. Assim como eu, entende que precisamos, um dia, acabar. Esse limite é até onde temos qualidade de vida.

Eu lembro de minha mãe no leito do hospital, às vésperas da morte, quando como último desejo pediu um sorvete, e com o organismo destroçado pela doença não conseguiu sequer lambê-lo. Ela me disse, meu filho, não se prive de nada na vida, não vale a pena. E me lembrou de Borges, que escreveu da velhice: se pudesse voltar no tempo, tomaria mais sorvete. E cometeria mais erros.

O caminho da sabedoria não é fácil. Estou certo, porém, que ele está muito mais dentro da nossa cabeça que no próprio corpo que agitamos nas esteiras eletrônicas. A paz de espírito é um fator fundamental para o equilíbrio do organismo. Às vezes, a angústia e a ansiedade modernas se manifestam nesssa luta insana pela fonte da eterna juventude. Isso é doença. É preciso envelhecer com tranquilidade e dignidade. Os que aceitam sua idade, estou certo, vivem mais.

sábado, 18 de setembro de 2010

As virtudes superiores

Existem as grandes virtudes e as virtudes superiores. Um estágio mais avançado de sabedoria.

As virtudes superiores não combinam com a juventude, demoram a ser alcançadas. Demandam tempo e experiência para se formar, por isso só vicejam na maturidade. E representam um novo tipo de poder.

Depois de descobrir o poder da palavra, aprende-se o poder do silêncio.

Depois de querer ser alguma coisa, queremos ser nós mesmos.

Depois de aprender a lutar, aprendemos a resignação.

Depois da volúpia, vem a moderação.

Depois de desenvolver nossos potenciais ao limite, temos de aprender a parcimônia e a modéstia.

Depois de desafiar, aprendemos a aceitar e conviver.

No lugar da persistência, vem a temperança.

No lugar das paixões e do amor, aprende-se amizade.

Isso não é envelhecer, é aprender. Quando jovens, somos menos humanos. Pensamos menos nos outros e mais em nós mesmos. Somos egoístas e acreditamos poder muita coisa. Descobrimos que antes de nós muitos já tentaram as mesmas coisas e mesmo as coisas mais impossíveis; que o sucesso em algo é apenas um recomeço para uma nova busca; que viver apenas para nós mesmos não faz sentido e todas as conquistas que servem apenas a nós se tornam vazias.

Envelhecer é se conformar, é desistir? Não. Podemos conseguir mais e melhores objetivos de outra maneira. Inclusive o de viver melhor e sermos mais felizes.

Dessa nova forma, podemos também ajudar mais os outros. A idade mostra que tudo o que fazemos não é para nós, ou pelo menos não deveria ser. Porque vamos embora um dia, e os outros ficam. Então, só há sentido real naquilo que fazemos para os outros. Não para sermos lembrados, mas como um benefício, um bem real, que mostra que a nossa presença fez alguma diferença.

Quando o homem se aproxima do limite da existência humana, vai mudando de valores, pois já não faz sentido disputar, guerrear, acumular riqueza; descobre que antes se debatia contra tudo, e agora quer seguir o leito do rio e entrar em harmonia com a existência para melhor aproveitá-la. Busca bens mais efêmeros, tanto quanto os duradouros, no seu dia a dia; como no sorriso, no abraço, na beleza do gesto. Quando já não temos muito tempo, aprendemos a paciência. Quando já não temos tanto vigor, admiramos e buscamos mais a força da vida.

A virtude superior evita que se perca tempo ou nos distraiamos com embates e buscas inúteis. E nos preocupamos menos em educar do que em estar ao lado dos jovens. Dar o exemplo ou pregar é inútil. Os tempos mudam e cada geração tem sua própria sabedoria. Os utopistas do passado, aqueles que tentam algum tipo de conservação de valores, que buscam raízes num mundo existente somente nos livros de história, a pretexto de ensinar, são os verdadeiros velhos.

A sabedoria está em não deixar de ser quem você é e mesmo assim ser alguém capaz de mudar com o tempo, adaptar-se, sem queixas nem melancolia. Continuar como uma força transformadora, porque se os tempos mudam, é por conta daqueles que um dia já foram jovens e vão envelhecendo. Os homens reclamam muito que os tempos mudaram, sem dar-se conta de que foram eles mesmos que os mudaram.

E são os melhores anos, sempre, aqueles que virão.