"Privado", de Jairo Goldflus - ou um fotógrafo, o nu e um duplo mortal carpado
Especialista em retratar moda e celebridades usando a moda, Jairo Goldflus sempre disse que tinha dois bloqueios: fazer um livro e registrar mulheres nuas. O receio de fazer um livro ele me revelou quando fez o primeiro, Público, para o qual escrevi uma breve apresentação. O outro receio, de fotografar mulheres nuas, ele confessou no restaurante Maní, em São Paulo, num almoço em que o procurei para colaborar comigo, quando assumi a responsabilidade de editar a revista Playboy no Brasil.
Seu pé atrás se explica. Antes de mais nada, Jairo é um perfeccionista. A possibilidade de fazer algo abaixo de suas próprias expectativas faz um terreno novo, talvez oposto ao que teoricamente seja o seu trabalho da vida inteira, ser um campo minado. Porém, Jairo tem uma qualidade excepcional. Ele assume seu medo. No final, vai atrás do que tem medo. Enfrenta o campo minado. Passa por ele, não sabemos se com uma explosão ou outra. E sai do outro lado impecável, com sua blusa preta e tênis All Star coloridos.
Agora, Jairo pegou o desafio duplo, da mesma forma que um ginasta tenta pela primeira vez o duplo mortal carpado: fazer um livro novo - e de nus. O título: "Privado". Já seria uma boa ideia, em contraste com o "Público", mas Jairo testou o perfeccionismo, e a iniciativa de desafiar territórios antes proibidos, como a alma da criação. O homem retrata o nu desde os tempos das cavernas e essa história já passou pela escultura grega clássica e o renascentismo, até chegar aos grandes fotógrafos contemporâneos. Como fazer algo novo? Como mostrar algo que ninguém viu?
Não importa se os objetos da lente de Jairo são celebridades, gente rara da qual ele se aproxima pelo trabalho em revistas de estilo de vida. Quando uma mulher está nua, celebridade ou não, se reduz à natureza elementar. E a resposta para o novo, para a beleza inédita, é o ponto de vista muito pessoal de Jairo: a diferença está no olho, na maneira de ver, na interpretação do nu. Ao lançar o foco sobre a mulher, Jairo eliminou tudo o mais. A roupa. O cenário. Trabalhou apenas com o fundo infinito. Em preto e branco. O que se vê é apenas, e realmente: a mulher. Como ele a vê.
A técnica, a inspiração, aquilo que fez dele uma dos fotógrafos de estilo mais respeitados do país, celebram agora uma beleza anterior, desmascarada de tudo, especialmente daquilo que aparentemente sempre foi o foco de seu trabalho: a roupa. Jairo mostra agora que a moda, na realidade, não é nada senão a extensão de quem a veste. O estilo, ou melhor, a beleza, já estão lá. No seu estado estado mais elementar. E belo. Ao tirar a roupa de suas modelos, Jairo continua fazendo a mesma coisa. Igual. Talvez, melhor.