A morte do editor Hugh Hefner, que fundou a revista Playboy em 1953, pode parecer mais um marco do fim de uma era da imprensa e de certos costumes, enterrados na era digital. Não é. A grande virtude de Hefner, e o filão que ele descobriu e explorou, ainda estão aí e fazem pensar. Hefner foi embora, mas o que ele vislumbrou continua vivo.
Num mundo em que as feministas tomaram a voz e qualquer coisa que defenda os homens - seres humanos que também possuem direitos - é tachada como machismo, Hefner continua a ser revolucionário. Foi ele quem descobriu que uma revista podia defender o público masculino, não no sentido político, ou como um movimento, mas da única forma possível - estando ao seu lado, compreendendo, estimulando e sobretudo aliviando suas agruras, com um pouco de ironia sobre ele mesmo.
Homens estatisticamente possuem uma vida mais curta que as mulheres, sobretudo por conta de doenças cardiovasculares. Hoje, como nunca, suportam uma grande pressão financeira e social. Hefner foi o primeiro a perceber que precisavam de um local de descanso, onde a auto-indulgência lhes fosse permitida. Não é pouca coisa. Isso criou um fenômeno mundial. Dessa forma, Hefner institucionalizou um ícone de liberdade, a ponto das célebres orelhinhas serem uma marca mais conhecida no mundo que a Coca-cola.
Por isso, Hefner definia Playboy não como uma revista de mulheres nuas, e sim de estilo de vida. Trazia para a vida dos homens o mundo do sonho, em que não apenas se conseguia ver as mulheres mais deslumbrantes, como sonhar com a vida que contrastava com seu cotidiano: o chefe em cima do seu pescoço, o cuidado dos os filhos, as expectativas e exigências da mulher, a falta de perspectivas no trabalho e na carreira.
Playboy era o sonho: belas mulheres, grandes carros, maravilhosas viagens. Tudo isso com um humor fino, quase britânico, a mostrar que tudo aquilo era possível e mesmo assim não era grande coisa.
Resumir Playboy a uma revista de "mulher pelada" é uma forma fácil de escamotear o principal: rotulando-a como puro machismo, evitou-se falar sobre os problemas dos homens e suas necessidades. Hefner não teve medo de fazê-lo nem de ostentar isso publicamente. Entendia a necessidade de uma válvula de escape para uma vida aborrecida e de quem não pode nem mesmo reclamar. Serviu um instrumento de auto-indulgência e de liberdade. Um espaço irmanado por todos os homens do qual as mulheres não precisavam, nem deviam participar.
A era digital envelheceu o negócio revista, assim como o tempo envelheceu Hefner, que procurou fazer de si mesmo um símbolo desse espírito de auto-indulgência, do estilo de vida que procurava vender - não o sonho americano, e sim o sonho masculino, nutrido pelo homem médio, o trabalhador, o pai de família, sem rotas de fuga. Tornou-se um senhor meio excêntrico, que morava na mansão de Playboy, cercado de coelhinhas, com uma fila de ex-mulheress, exibindo-se sempre num robe de seda ou com um quepe de capitão. Ao se tornar um tanto caricato, favoreceu o enxovalhamento do que seu projeto tinha de melhor.
Não há mais Hefner, e tampouco futuro para as revistas impressas, especialmente masculinas, com a facilidade de reprodução digital. Os homens, porém, permanecem com os mesmos problemas e continuam sendo um grande mercado para veículos de estilo de vida interessados em colocar-se ao seu lado. Esse caminho, o achado empresarial onde Hefner se fez pioneiro, ainda é o mesmo. E nenhum discurso politicamente correto foi ou será capaz de fazê-lo desaparecer.