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segunda-feira, 7 de abril de 2014
Denise Milan e o humanismo brasileiro
Existem poucos artistas brasileiros respeitados, valorizados e divulgados no exterior. Denise Milan é um deles. Andarilha, de cabeça sempre aberta, fervilhando em iniciativas ao redor de suas ideias e obsessões, ela é uma artista genuína e inserida no nosso tempo: multidisciplinar (isto é, que trabalha com a imagem em todas as suas formas: escultura, fotografia, pintura, meio digital), tem um trabalho tão vasto e multifacetado que é difícil de definir. O que se pode dizer é que ela é o que todo artista brasileiro deveria ser: particular e universal.
Denise é incentivadora e protagonista da arte pública, aquela que pode ser vista na rua. E uma de suas marcas é a obsessão pelas pedras, cuja antiguidade remonta à idade da terra e do próprio universo. Para ela, as pedras representam a existência numa dimensão que ultrapassa a humanidade: é cosmogônica, universal.
Para Denise, somos parte do cosmos, essa interminável massa viva de energia em mutação. A vida das pedras dura milhões de anos, o tempo de sua transformação. Ao compará-las em sua existência à vida humana, e vice-versa, Denise nos lembra que não somos diferentes do universo, pelo contrário, somos parte dele, dentro de um sistema unívoco, total e belo.
Com sua subversão dos conceitos de vida, matéria e tempo, Denise construiu de pedra, em especial o quartzo, uma vasta cosmogonia artística, que pode ser vista em suas obras públicas, de Chicago a uma floresta particular em Pernambuco, um laboratório artístico louco (ou visionário) criado por empresário brasileiro que a imaginou como um parque para ser visto "por alienígenas daqui a milhares de anos". As peças de Denise, que falam da terra, do homem e do tempo, bem poderiam ser enviadas na carga das naves espaciais que visam explorar os limites do universo, junto com as mensagens de paz e os concertos de Beethoven.
A universalidade do trabalho de Denise, porém, vem do particular, de uma brasilidade que faz inserir o Brasil no mundo e lhe dá a possibilidade de ser protagonista das ideias e das artes, algo tão importante, e precedente, quanto liderar a economia mundial. A pedra brasileira, a visão brasileira, a arte brasileira em Denise são um exemplo de uma nova visão, que se traduz na miscigenação, na paz, na tolerância, na integração com a natureza aqui tão abundante. Nossa terra, e o que fazemos dela, torna-se inspiração.
Denise gosta do Brasil, tira sua terra, suas pedras e sua humanidade do Brasil. Pesquisadora dos índios no litoral fluminense, que assim como a nossa natureza estão nas nossas raízes, mergulhou no trabalho que chamou de "Fumaça da terra", um registro em livro fotográfico da natureza e da gente do litoral fluminense. Agora, construiu a partir dessas imagens uma exposição, conjunto de fotomontagens que trazem o mistério das fotos originais, mas ganharam outro sentido, mais vital, orgânico, poderoso e um tanto místico. Na mostra, que vai até este dia 19 de abril na galeria Virgilio, em São Paulo, pedras se tornam flores, ou flores se tornam pedras. Terra e gente, extraídas de diferentes fragmentos, são afinal uma coisa só. É a cosmogonia de Denise em ação. Ou a melhor expressão do humanismo brasileiro.
Multimodal, a artista está em toda parte: ora na Itália, onde monta uma exposição, ora em Chicago, de cujo centro cultural veio a mostra do Fumaça da Terra. De vez em quando pode ser encontrada tomando café numa padaria paulistana, onde já concebeu um seminário catalisador para colocar ordem nos conflitos milenares do oriente - uma homenagem à sua genealogia libanesa e fruto da vocação brasileira para a diplomacia e a cordialidade. mais uma pitada de quem sabe que uma pessoa só pode fazer muita diferença no mundo.
O seminário, claro, aconteceu. Denise pensa grande e faz grande. É certo que somos apenas uma parte insignificante do universo, mas certamente, sem arte como a dela, o universo estaria bem mais pobre, e bem menor.
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