A descoberta do dinheiro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sequestrado pela Justiça brasileira em sua conta já nada secreta na Suíça, é uma boa oportunidade para repensarmos o Brasil.
Não é nenhuma surpresa que um político use o cargo e sua influência no Congresso para trocar favores por dinheiro, primeiro, e depois pela própria sobrevivência. Cunha e seu partido têm tanta moral quanto o PT, cujo comportamento colocou a presidente Dilma Rousseff à beira do impeachment.
A lavagem pública de roupa suja proporcionada pela investigação de todas as partes envolvidas nessa história mostra apenas como a corrupção no Brasil é ampla, geral e irrestrita. É um aviso imperioso de que está na hora de mudar.
A crise por que passa o Brasil não é acaso. Como não é acaso o atraso educacional, político, econômico e social em que nos encontramos. Passam ciclos ilusórios de crescimento e a realidade de novo surge como um soco no nariz. Este Brasil da crise é que é o verdadeiro.
Nós, brasileiros, nos acostumamos a pensar que o Brasil está atrasado em relação ao chamado Primeiro Mundo porque somos um país jovem, que começou, portanto, depois. Não é verdade. Quando os portugueses começaram a se interessar pelo Brasil, na metade do Século XVI, como mostra A Conquista do Brasil, meu mais recente lançamento (Editora Planeta), a Europa ainda era um continente medieval, em que as pessoas defecavam na rua e viviam sob o terror da Inquisição.
Países hoje considerados avançados como Espanha, Inglaterra e França se perdiam em guerras internas, em um processo ainda de consolidação do poder central, depois da divisão da terra ocorrida na era feudal. Não havia a noção de democracia, de direito civil, muito menos de bem estar social.
Enquanto o Brasil vivia da exploração da cana e se tornava o último país do mundo a abolir a escravidão, a Europa passou por uma verdadeira revolução, emergindo da Idade Média. A Europa moderna que vemos hoje foi construída nos mesmos 500 anos em que se fez o Brasil. Nesse período, outros países do Novo Mundo, como os Estados Unidos e Canadá, construíram modelos políticos e econômicos muito mais bem sucedidos a partir do zero. E hoje estão muito à frente na escala do desenvolvimento econômico e social.
O que fizemos de errado? O Brasil permaneceu sob o domínio de castas que trazem da origem os mesmos defeitos hoje vistos na nossa classe política. Nasceu como um país de saqueadores, que vinham para cá de olho nas imensas riquezas naturais do território brasileiro, para levar os recursos embora. Hoje, continuamos fazendo a mesma coisa: há uma elite encastelada no poder, que usa seus privilégios para enriquecer e levar o butim para as contas de bancos na Suíça ou comprar sua casa com um pier particular em Miami, sempre à margem da lei. Nada diferente dos primeiros donatários e da burguesia colonial dos quais os empresários e políticos encastelados no poder são hoje herdeiros.
O Brasil foi mantido sob as rédeas de uma elite latifundiária que formou uma aristocracia baseada na rapina. Nós nunca respeitamos a lei no Brasil. Este país sempre foi considerado uma terra a ser explorada para depois ser abandonada, ou continuar sendo sugada, e não um lugar para morar, construir algo, criar os filhos.
O brasileiro nunca respeitou a lei e a coletividade no Brasil . Quer se dar bem, e só. Quando consegue levar o dinheiro embora, mora ricamente no exterior, onde se comporta como um cidadão exemplar. E ainda fica falando mal do país que o gerou. Se o Brasil é uma bagunça, é justamente por conta de tipos assim, que deveriam olhar para o próprio umbigo.
Mesmo quando surge alguém diferente, assume no poder a mesma postura. Em vez de honrar a proposta com a qual se elegeu, o PT desceu ao mesmo nível de seus antecessores. Mostrou que o chamado "trabalhador" brasileiro, quando no poder, também o vandaliza. Uma frustração enorme para o vasto eleitorado que depositou no partido a esperança de algo diferente - e melhor. Porque a mentalidade da elite é um mal que está no ar, se espalha, contamina a sociedade.
O Brasil não vai mudar enquanto não mudar a mentalidade da sua elite, o que inclui a elite política, a empresarial e seus mimetizadores vindos do sindicalismo e dos que blasfemando se intitulam representantes dos "movimentos sociais". Não vamos mudar enquanto a mentalidade do brasileiro for a do saqueador, a do espoliador, que nos acompanha desde o desembarque dos degredados nas praias brasleiras.
O Brasil só vai mudar quando houver espírito público, e entendermos que o que é do Brasil tem de ficar no Brasil. E aqui é que devemos construir um país de respeito, para que seja respeitado pelos próprios brasileiros. A partir disso, poderemos quem sabe caminhar para o desenvolvimento sustentado, em vez de viver aos trancos e barrancos.
Talvez essa seja uma tarefa para as futuras gerações. A casta de políticos que temos hoje já se comprovou espúria, como as anteriores. É um desapontamento profundo, especialmente para alguém como eu, que, como cidadão e jornalista, batalhou anos a fio pelo restabelecimento do Estado de Direito, pela redemocratização e a criação de uma sociedade mais desenvolvida, justa e equilibrada, e achava que estávamos no bom caminho.
É fundamental a educação para vermos se conseguimos dar mais um passo. Acima de tudo, temos de entender de onde vêm nossas mazelas, esse nosso caráter que nos impede de ir adiante. Somente uma mudança profunda será capaz de erradicar a mentalidade da elite brasileira e fazer com que entendamos que o progresso coletivo é também o sucesso individual, resgatando o espírito público.
Pegar quem rouba com a mão na cumbuca é um bom começo. Punir esses figurões que jogam o Brasil no atraso enquanto se locupletam é uma oportunidade histórica para mudar a página e escrever outra, livre dessas práticas. Sem isso, continuaremos vivendo no atraso. Não podemos passar outros cinco séculos assim.
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sexta-feira, 23 de outubro de 2015
quarta-feira, 15 de julho de 2009
A saída para a política
Os ideais são tão mais importantes quanto menos são praticados
É um lamentável espetáculo o noticiário que dá conta da falta de vergonha e espírito público dos políticos brasileiros, mas a grande pergunta não é o que fazer com o passado, e sim com o futuro. Como o país poderá progredir com lideranças da pior qualidade e um sistema democrático que parece demorar tanto para policiar essa gente e despoluir os Três Poderes?
É um lamentável espetáculo o noticiário que dá conta da falta de vergonha e espírito público dos políticos brasileiros, mas a grande pergunta não é o que fazer com o passado, e sim com o futuro. Como o país poderá progredir com lideranças da pior qualidade e um sistema democrático que parece demorar tanto para policiar essa gente e despoluir os Três Poderes?
O presidente Lula melhorou a renda da população mais pobre, conseguiu sustentar a inflação em um nível baixo com crescimento econômico e manteve o país com credibilidade no sistema financeiro. Com isso, o Brasil ficou até mais protegido que a maioria dos outros países diante da crise internacional. Lula fez um governo aclamado na economia, mas vai deixar uma mancha muito feia para a história. Mesmo em nome de uma certa estabilidade, não se pode apoiar tudo o que há de errado na política brasileira.
Nessa área, Lula mostrou não ser muito diferente de todo o resto. Defendeu os deputados mensaleiros. Defendeu o corruptores dos mensaleiros dentro de seu governo. Defendeu o ministro da Fazenda Antonio Palocci, capitão da República de Ribeirão Preto, bando que distribuía dinheiro de origem escusa em malas de dinheiro vivo num lupanar de Brasília. Apoiou Evo Morales, mesmo quando este mandou sequestrar uma refinaria da Petrobras na Bolivia, num ato de banditismo promovido pelo Estado. Apoiou Hugo Chaves, mais um ditador de opereta ao estilo latinoamericano.
Para completar, Lula apoia agora José Sarney, o presidente do Senado e ex-presidente da República que ainda se agarra ao poder justamente para, com sua influência, deter investigações sobre a origem de seu dinheiro, suas relações com o banqueiro Edemar Cid Ferreira e a maneira sanguessuga como faz política desde antes da ditadura militar. A Lula, só falta apoiar o Lobo Mau.
Bastaria dizer que o político atuante em nome do interesse coletivo ganha mais que agindo apenas em interesse próprio, mas é muita ingenuidade acreditar que aqueles no exercício do poder hoje em dia colocarão em prática esse princípio tão elementar. A tentação de botar a mão no dinheiro em troca de algum favor fácil sempre fala mais alto que agir conforme o mandato que é conferido ao representante público. E é sempre mais fácil contemporizar que enfrentar problemas e resolvê-los.
Dessa forma, todos acabam virando farinha do mesmo saco. Mesmo políticos de melhor qualidade, como Fernando Gabeira e o senador Eduardo Suplicy, já foram apanhados distribuindo passagens aéreas e outras regalias a parentes, numa demonstração de descaso com a ética e o espírito público. Ficamos sabendo que o Congresso tem 8.000 funcionários contratados por essa gente. Há milhares de municípios no Brasil com uma população menor que a do nosso parlamento.
Como salvar um país de um sistema que parece podre, ou que apodrece as pessoas? A resposta, creio, é só uma: não desistir. Os ideais são tão mais importantes quanto menos vão sendo praticados. Valores que elevam alguns seres humanos acima dos outros que não os praticam: honestidade, trabalho, fidelidade, honra, coragem.
O exemplo não começa pelos políticos que tanto criticamos, mas de cada um de nós, fora do Congresso, longe de Brasília. Porque os políticos não são uma casta de privilegiados abençoados por Deus, mas cidadãos comuns que vêm da sociedade. E, para que eles melhorem, a sociedade é que tem de melhorar, a partir do comportamento individual. Como um pingo de lama na neve. somente quando os bandalhos se tornarem efetivamente uma minoria é que se envergonharão de si mesmos.
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