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terça-feira, 2 de junho de 2009

HAL e o Airbus


O perigo que a tecnologia representa para nossa segurança


Ninguém sabe ainda o que aconteceu com o Airbus A330-200 da Air France, com 228 pessoas a bordo, que desapareceu no meio do Oceano Atlântico, no trajeto do Rio de Janeiro para Paris. Os especialistas ainda tentam entender como um avião moderno, projetado para suportar condições as mais extremas pode simplesmente ter desaparecido.


O que se sabe é que o avião transmitiu diversos sinais automáticos de que estava enfrentando problemas com seus sistemas elétricos e pressurização da cabine, embora não como mensagens de emergência. Isso leva a uma preocupação bem própria destes nossos tempos. Ainda que o acidente com o Airbus não tenha qualquer relação com uma pane técnica, faz pensar no perigo que a tecnologia representa hoje para nossa segurança.


Hans Weber, presidente da Tecop, uma consultoria aeronáutica de San Diego, levantou em entrevista no New York Times um problema gerado pelos aviões informatizados, dos quais o Airbus representa a última geração. Weber já trabalhou na análise de dois casos ocorridos em Airbus da companhia aérea australiana Qantas, no ano passado, que perderam altitude violentamente, embora sem consequências trágicas.


O Airbus A330 é um avião altamente digitalizado. No lugar do antigo manche, é controlado por um joy stick semelhante aos de videogame. Seu sistema de comando é chamado de "fly-by-wire", isto é, no lugar do antigo sistema mecânico e hidráulico, ele muda a direção e inclinação da aronave por sinais eletrônicos, enviados nos cabos ligados aos motores instalados nas asas.


Como o controle do Airbus é quase todo automatizado, ele reduz muito a margem de manobra do piloto, que depende inteiramente do sistema eletrônico para operá-lo. E, quando o sistema eletrônico falha, o piloto pode se tornar também um mero um passageiro. Todo mundo que tem um computador em casa sabe que computadores dão pau. O Airbus é um computador que voa. E, nesse caso, o “pau” pode significar o fim.


O sistema fly-by-wire não apenas conduz o avião como é programado para agir por conta própria em caso de pane. Em alguns deles, o piloto não pode simplesmente cancelar esse mecanismo de proteção – no caso, por exemplo, do computador estar lendo errado informações em uma situação de emergência.
Na prática, piloto e passageiros se tornam reféns de um verdadeiro HAL, o computador que no filme 2001, Uma Odisséia no Espaço, passa a controlar a nave e, quando tentam desligá-lo, começa a assassinar seus ocupantes – o clássico de ficção científica de Stanley Kubrick que vai se tornando cada vez menos ficção.


Há sinais de que o Airbus já sofreu algumas vezes com o que os especialistas têm chamado de “autoengano”. No acidente com o aparelho da TAM em Congonhas, o manche estava na posição de desaceleração, mas as imagens mostravam a turbina direita acelerando cada vez mais, num episódio que, a meu ver, ainda não foi totalmente esclarecido. Semana passada, outro Airbus da TAM mergulhou durante uma turbulência, ferindo passageiros e tripulantes.

Nos dois vôos da Qantas analisados pela Tecop, de acordo com o New York Times, os sensores inerciais do avião enviaram informações incorretas aos computadores de vôo, o que fez com que estes tomassem medidas de emergência para corrigir problemas inexistentes. Por conta disso, mergulharam sem nenhuma razão. Fatores climáticos, como uma determinada combinação de correntes de vento durante uma turbulência, podem dar margem ao “autoengano” dos computadores, segundo Weber.

É difícil ligar o acidente da Airbus a esses fatores, e talvez nunca se saiba exatamente o que aconteceu, mas os casos anteriores já são motivo suficiente para despertar cuidados. Ainda que esse tipo de investigação possa representar uma ameaça a um projeto de engenharia do qual depende a própria sobrevivência da companhia francesa.


Acima de tudo, está a segurança. À sensação de vazio sempre deixada pela morte absurda de tanta gente que literalmente parece ter desaparecido no ar e à tristeza das famílias que vai se tornando cada vez mais frequente, sucede-se o medo de todos aqueles que hoje ainda precisam embarcar.