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segunda-feira, 6 de julho de 2009

A razão sem razão


Por que podemos estar certos e ao mesmo tempo nos sentir tão mal

Cruz e Souza, um de nossos grandes poetas simbolistas, escreveu certa vez: “Não tenho orgulho do que penso, eu me orgulho do que sinto”.


É a frase que me vem à mente depois de assistir em DVD ao filme A Dúvida. No filme, na realidade a adaptação de uma premiada peça de teatro, a personagem de Meryl Streep, uma freira que desconfia de pendores pedófilos do padre interpretado por Philip Seymor Hoffman, alimenta-se de sua certeza e conduz um processo informal que força o suspeito à renúncia. Mesmo com todas as evidências de que estava certa, porém, a implacável madre termina sentido-se tão mal quanto se tivesse cometido um pecado capital.


Há em A Dúvida uma brilhante interpretação de um fenômeno que presenciamos e sentimos no dia a dia. Muitas vezes, podemos estar com a razão – e nem por isso nos sentimos melhor do que se não tivéssemso razão alguma. Muitas vezes, tudo o que fazemos de certo no final acaba parecendo errado pela maneira como conduzimos as coisas. Ou porque o objeto da razão – a verdade – é tão tênue que faz com que jamais possamos ter certeza absoluta de nada, e que a condenação de um ser humano é sempre injusta.

O que define o filme está no se início – a parábola segundo a qual o náufrago que nada sems aber se vai na direção correta não está sozinho. Contada por um padre no seu púlpito, ela sugere que o indivíduo em dúvida nunca está sozinho – teria Deus a seu lado. No final, proém, somos indizidos a uma outra interpretação da mesma história. O náugrafo não está sozinho na dúvida, porque não é o único. Quem não está?

A Dúvida é um belo filme, que faz pensar, sobretudo aqueles que se acham donos da razão. E que não compreendem, apesar de todos os seus bons motivos, o motivo de serem malvistos ou a sensação de que ainda assim fizeram algo de errado.

Isso acontece porque a razão em geral passa por cima dos outros. Podemos estar absolutamente certos de algo, mas para que nossos motivos prevaleçam atropelamos sentimentos alheios. A verdade às vezes é ambígua, ou não existe. Mesmo quando ela é cristalina, o exercício da razão mostra que ela no final não tem tanta importância. A razão eprde a razão quando mostra a intolerância com os outros, não vê a humanidade no erro alheio, o que tira do ser humano com razão a sua humanidade.

A razão pode ser justa, mas pode ser cruel, pode ser má. É a nossa humanidade, a sensibilidade de perceber os outros e a nós mesmos, que faz com que possamos dormir com a consciência mais tranquila. Cada um tem suas razões, mas o sentimento pe compartilhado. Para isso, temos de aceitar que o adequado para o outro nem sempre é o melhor.

Não se deve subestimar os outros; se agem de certa forma, por vezes é por uma necessidade interna, uma vontade alheia à razão, ou à nossa razão. Ao forçá-la a mudar, assumir suas tarefas ou induzi-la a agir de outra maneira, nos colocamos não contra umerro, mas contra os seus sentimentos. E isso, mais tarde, é difícil consertar.

Cruz e Souza, com a capacidade ímpar da poesia de resumir belamente sentimentos importantes, disse tudo. O que importa, aquilo de que devemos ter orgulho, não é do que pensamos, o fruto da razão, mas do que sentimos, o fruto do coração.