A Editora Abril acabou de anunciar o fim da revista Playboy, uma história de 40 anos, parte do processo que vai reduzindo a maior editora brasileira de revistas a uma realidade bem menor.
É possível que o título reapareça em papel ou digitalmente por uma outra editora, mas o certo é que nada será como antes, já que a própria Playboy americana anunciou que deixará de publicar o nu feminino. E que irá se concentrar na parte antes menos notória, mas de igual qualidade da publicação, que são as reportagens, entrevistas e o serviço de estilo de vida.
Com a enorme oferta de material pornográfico na internet, de fácil acesso, e muito mais variado, deixou de ser atrativa uma publicação presa a uma certa fórmula, que dependia do papel, da circulação física e das receitas de publicidade.
Com dificuldades financeiras, passou a ser mais difícil contratar as mulheres célebres que fizeram a história da publicação - e ficaram na memória de tantos meninos que cresceram tendo a revista como ícone do ideal masculino. Playboy era uma espécie de instituição onde se experimentava tudo do bom e do melhor. E para a qual não havia mulher impossível.
Playboy sempre foi a publicação que trazia aquilo que todo menino queria ver. Só que hoje nada mais é igual: as mulheres, os meninos e as publicações. Por sua fórmula, que proibia qualquer tipo de situação que sugeria sexo ou alguma forma de abuso da mulher, Playboy foi se tornando um tanto inocente para os dias de hoje, em que esse tipo de pornografia hoje parece quase infantil diante de tudo o que se encontra com facilidade no ambiente virtual - do sexo explícito ao sadismo e a escatologia.
As mulheres que saíram em Playboy, possivelmente, serão para os garotos do futuro o que as antigas pinups foram para os adultos de hoje: um erotismo um tanto primário, mas que guarda certa beleza e sedução, como um retrato vintage de seu tempo.
Para diversas gerações, ver uma mulher nua era literalmente ilegal e proibido. No passado, havia um certo esforço para conseguir a revista antes da maioridade. Era preciso contar com o irmão mais velho ou um jornaleiro conivente. Playboy se escondia da mãe (e do pai) debaixo da cama ou algum lugar secreto.
Era um objeto de desejo, de curiosidade, que levava a beleza e as formas da mulher a um mundo de mistério, de alumbramento, de adoração. Por isso, ao contrário do que poderia parecer, valorizava as mulheres, em vez de vulgarizá-las.
Esse sentimento, que começava para os garotos na adolescência, era levado para a vida adulta, assim como a fidelidade à publicação.
Não conheci ainda uma mulher que não gostasse de se sentir desejada. Esse era o efeito de Playboy: fazer a mulher entrar numa galeria histórica que será lembrada através dos tempos, congelando sua beleza no verdadeiro auge.
Isso ainda poderia continuar, mesmo com menos dinheiro. Foi isso o que defendi ao reduzir dramaticamente o cachê pago às mulheres de Playboy, sem perder a qualidade e o encantamento da produção, quando tive a oportunidade de dirigir a revista, há 3 anos.
Procurei ainda trazer estrelas, mesmo com menos recursos, e conquistamos ótimos resultados, que garantiram a sobrevivência do título por pelo menos mais dois anos. Era a maior receita da Editora Abril na internet. E havia a possibilidade de expansão no terreno virtual.
Fizemos algumas capas dignas da história da revista, como a de Nanda Costa, então estrela da novela da TV Globo no horário nobre, maior venda da revista em três anos, desde Adriane Galisteu. Da atriz Antonia Fontenelle, despertando da viuvez célebre. Pietra Príncipe, a desbocada e provocadora loirinha da TV. Aline Franzoi, primeira evangélica a tirar a roupa para a revista. Mari Silvestre. Meyrielle Abrantes, ex do senador Jarbas Vasconcelos. E outras que mereceriam também aqui uma menção.
Quando entrei, não havia um único ensaio pronto. Quando saí, além do que já tinha ido para as bancas, deixei seis contratos assinados com mulheres que seriam publicadas nos meses subsequentes.
Porém, decidida a não continuar com títulos licenciados, a editora preferiu esvaziar o site e cortou à Playboy brasileira o caminho para o futuro. Foi aí que se deu minha saída. Com a morte de Roberto Civita, que me convidara para o cargo, mas faleceu numa cirurgia ao mesmo tempo em que eu assumia a direção da revista, entendi que eu era o único ali a defender a publicação e trabalhar para uma solução. A equipe que se seguiu, do jornalista Sérgio Xavier, conseguiu ainda conduzir a publicação com méritos e profissionalismo até o seu destino já traçado.
Vai-se Playboy na Editora Abril e toda uma era. Vira-se uma página importante da história da imprensa. Começa a ser revisto pela matriz o próprio conceito da Playboy como estilo de vida, que para muitos também já vai ficando fora de moda. O que foi feito, no entanto, será sempre um retrato da beleza em uma certa época, que tem os seus ícones, assim como a Vênus de Milo é a melhor lembrança da beleza feminina no helenismo, para nós, homens, e todos os admiradores do belo.