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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Hemingway e um bangalô na mata


Quando vi a casa pela primeira vez, pensei: é aqui que eu vou ficar.

Nem pensava em comprar uma casa. Ou melhor, queria algum lugar que tivesse alguma coisa que eu ainda não sabia bem o que era. Uma casa no meio da mata. Isolamento. Mas algo acolhedor. Uma casa para um escritor.

Casas são muito importantes para quem escreve, pois escritores passam muito tempo dentro delas. Precisam contar histórias, porque é isso o que fazemos. Ali nos cercamos das nossas coisas, das nossas histórias. Um ambiente favorável a sermos nós mesmos. À criação.

Hemingway adorava casas. Visitei a de Key West. Por pouco não vi a de Cuba (estava fechada). Para ter uma casa, Hemingway gastava o dinheiro que não tinha e realizava projetos mirabolantes. Jack London comprou uma fazenda perto de São Francisco, que dizia ser uma futura fazenda modelo, mais um de seus projetos brancaleones. A casa pegou fogo pouco antes da inauguração.

A Casa da Mata, como eu a chamo, foi construída há cerca de doze anos pelo ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Yoshiaki Nakano, professor de economia da USP. Ele e a mulher começaram ao redor dela o jardim japonês conservado até hoje. Um homem de bom gosto, o jornalista Antônio Telles, diretor de jornalismo da TV Bandeirantes e apresentador do Canal Livre, reformou-a com grandes vidros para a luz e a paisagem e lixou-a inteira para substituir o verniz grosso e brilhante com um fosco, mais elegante.

Minha contribuição foi fazer tudo funcionar, incluindo a piscina, pouco utilizada a quase 1700 metros de altitude. E coloquei ali o que faltava: a literatura. No final, balançando na rede da varanda, entendi porque gostara daquela casa desde o início. A construção, feita pela hoje falida Casema, especializada em casas pré-fabricadas, para as quais utilizava um tipo de madeira que hoje já não existe disponível, é na realidade um bangalô ao estilo inglês. Como muitos que vi na África, onde os ingleses colonizadores procuravam manter viva sua civilização num ambiente agreste. E como a de Tarzan, meu ídolo de criança na literatura, que gostava de viver seminu na jângal, mas tinha uma fazenda onde morava com Jane, num bangalô que na minha imaginação é exatamente como este.

Ali terminei A Conquista do Brasil, livro de história hoje nas livrarias, editado pela Planeta. Ali escrevi meu próximo romance, que deve sair em 2016 pela mesma editora. E ali comecei e terminei um livro muito pessoal.

Como em tudo o que fazemos, até mesmo a casa é uma escolha literária. Não deve ter sido fácil morar em Cuba  ou Key West nos tempos de Hemingway. A Casa da Mata fica longe e não tem internet. É uma ilha na modernidade. Mas tudo bem. Escrever só vale a pena quando vivemos pelo que escrevemos, seguimos os sonhos e não há diferença entre o que somos e como queríamos ser.