Acredite: 2020 teve algo de bom.
A pandemia tirou muitas vidas. E tirou muito das nossas vidas. Porém, com isso, algo muito importante aconteceu.
O mundo caminhava para muita intolerância, filha de pobreza, geradora dos muitos radicalismos. A pandemia, apesar de alguns, nos aproximou.
Fez lembrar o valor dos entes queridos. E a importância de todas as pessoas, sem distinção.
Fez a gente sentir falta de gente. Desarmou ânimos. Como só acontece nas horas difíceis que alcançam a todos, lembrou que a Humanidade e a nossa humanidade estão acima das diferenças.
Ressurgiu o espírito de amor e da solidariedade. Cada vez que a truculência, a incompreensão e a intolerância se manifestaram, parecia algo bestial, extemporâneo, inadmissível, sem sentido. É um começo. Ou recomeço.
Isso se refletiu na política, onde se faz a gestão da vida coletiva. O radicalismo ideológico passou a ser defletido, claramente arrefeceu. Baixamos a guarda.
Olhamos para os doentes, os frágeis, os necessitados. Revalorizamos os mais velhos, um patrimônio humano que de repente ficou ameaçado.
Muita gente diz que a velhice tira o trabalho, o respeito, a importância social. Mas antevimos como um mundo sem os velhos é impensável.
A pandemia lembrou a todos de como eles são fundamentais. 2020 foi o ano de preservar e trazer de volta a sabedoria e o amor, que os mais velhos aprendem a cultivar. Para a liderança, o conselho, o nosso equilíbrio, a nossa felicidade. E o bom funcionamento do mundo.
Aprendemos novamente a lidar com a tragédia, recolocando a vida humana acima das preocupações cotidianas e de interesses comerciais.
Olhamos para nossos pais, filhos, amigos e irmãos como pais, filhos, amigos e irmãos. E olhamos os desconhecidos, especialmente os desvalidos, como seres humanos, gente como a gente. Assim, voltamos a ser gente, também.
Olhamos os números, sabemos que somos um deles, mas enxergamos neles as pessoas. Lembramos que somos iguais e que a grande tarefa social é tratar todos os diferentes como iguais, e os iguais como diferentes. Para que todos possam ter os mesmos direitos e oportunidades de desenvolver suas capacidades únicas, individuais.
2020 foi o ano em que a tecnologia digital provou seu bem maior. Ligou cada casa a uma cidade, cada cidade à Nação, e todas as nações na busca por uma resposta a uma ameaça tanto coletiva quanto individual.
A pandemia expressou como a vida de cada um depende da vida de todos, e vice-versa. Este foi o ano em que tivemos de pensar no outro e convencer os refratários de que pensar na coletividade é salvar a nós mesmos.
A conexão virtual expôs de forma cristalina e deu o último estágio de desenvolvimento à própria essência do que é a Humanidade.
Diante de uma doença cruel, que nos coloca em perigo ao fazer aquilo é mais indispensável - respirar - e nos mata literalmente extraindo nosso oxigênio, voltamos a valorizar as coisas simples e elementares. Sair à rua. Encher os pulmões de ar puro. Olhar a natureza. Tomar sol. Dar um abraço.
As crianças perderam muito da escola, da convivência, da infância. Mas ganharam essa vivência, que ainda servirá.
Grandes tragédias podem ser um grande impulso para o futuro. Este planeta nunca foi tão civilizado quanto depois da Segunda Guerra Mundial. Conflitos existiram, mas progrediu como nunca a riqueza, a saúde, a lei, o concerto dos povos.
Atingimos tanto progresso que ele acabou gerando também grandes distorções. Temos de usar o aprendizado, novamente, para uma próxima etapa.
Vamos precisar dessa nova solidariedade para progredir outra vez. A miséria crescente, a exclusão social, a crise ambiental pedem esforços tanto individuais quanto coletivos, possíveis por essa nossa nova e grande facilidade de conexão.
A consciência de que o bem de todos é o nosso bem remete à necessidade de retomarmos a valorização dos direitos essenciais. A saúde, o trabalho, a educação são os motores não da economia, como da própria civilização.
Do bem estar coletivo, com desenvolvimento humano e social, depende o bem estar individual. Ainda mais no mundo super conectado, em que todos se mostram a todos, não há mais como viver bem enquanto o outro não estiver bem, igual.
Podemos lembrar de 2020 somente pela perda de entes queridos, ou ter em mente que nós, os sobreviventes, temos ainda a oportunidade de fazer mais. E que a grande e verdadeira obra é o bem coletivo, porque, de nós, é o que vai ficar.
Para mim, este ano, Natal e o Ano Novo são a celebração de um novo nascimento para todos. Agradeço pela vida. E a parentes e amigos, incluindo aqueles que se fizeram amigos como meus leitores, por tornarem a vida tão boa.
Pelo mesmo motivo, agradeço a todos aqueles que estão conosco agora somente em espírito. Criaram este mundo que nos cabe continuar. E aconselham, acompanham, aquecem o coração.
Por último, convoco todos a fazer uma promessa, como eu mesmo faço. A de que estes tempos duros sirvam de forma duradoura para esse entendimento e, assim, a real construção de um futuro melhor. As agruras terão valido a pena, para nós, aqueles que se foram e os que virão depois.
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