quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Isto não é o fim da imprensa
A imprensa, um dos pilares essenciais da comunicação e da democracia, é uma indústria como todas as outras – com a única diferença de que seu produto é a notícia. Muito se tem especulado sobre o futuro da imprensa na internet, que tirou das grandes empresas o monopólio dos meios de distribuição. Porém, uma indústria não deixa de existir quando mudam os meios de consumo. Deixa de existir, isso sim, quando deixa de fazer o seu produto.
Um exemplo de como isso está acontecendo. Há duas semanas, um amigo meu veio com a informação de que a prefeitura de São Sebastião tinha aprovado um plano diretor pelo qual seria derrubado um bom pedaço de Mata Atlântica em área de proteção ambiental na praia de Maresias, em São Paulo. Procurei um grande jornal de São Paulo que pudesse se interessar pela notícia. Um editor com quem entrei em contato me forneceu o e-mail de um segundo editor do mesmo jornal. Este me respondeu, dizendo que esse assunto era com uma terceira pessoa. Escrevi para o terceiro profissional. Esse sequer me respondeu.
Esse episódio me lembrou outro, de quando eu era editor de assuntos nacionais na revista Veja e recebemos um telefonema anônimo, dando conta de que um soldado da base militar de Anápolis estava sendo torturado. Por dever de ofício, mesmo sem a identificação do denunciante, fomos apurar. Uma hora depois do telefonema, eu enviava para lá Celson Masson, então repórter da sucursal de Brasília.
Celso voltou de Anápolis sem encontrar nada. Na semana seguinte, ainda com aquela história na cabeça, pedi autorização da direção da revista para fazer nova despesa: mandei o repórter para Anápolis novamente. Dessa vez, num golpe de sorte, perguntando na rua, Celso Masson achou o soldado. Esperou sair do hospital, onde havia sido isolado pela aeronáutica até que se aliviassem as marcas da tortura. Com a publicação da história, os chefes da base aérea passaram por um tribunal militar e foram afastados e punidos. Idem os policiais da delegacia civil que tinha sido utilizada para a tortura. E, com aquela reportagem que mostrava a sobrevivência da tortura mesmo depois do fim da ditadura, Celson Masson ganhou o prêmio Esso de jornalismo daquele ano.
Tudo isso por que atendemos e demos a devida atenção a um simples telefonema.
Faço essa comparação para dizer que o jornalismo tem acabado não por culpa da internet, mas das empresas e seus jornalistas, muitos dos quais esqueceram qual é o seu trabalho. Ouço muito de colegas veteranos que hoje os repórteres não saem do computador. Não vão aos lugares onde as coisas acontecem nem conhecem seus entrevistados pessoalmente. Basicamente, se faz muito pouca reportagem. Em consequência, os jornalistas pouco têm a apresentar além do que qualquer blogueiro diletante.
A indústria da imprensa no Brasil também tem deixado a desejar na solução de problemas em outras áreas do negócio. Reclama-se que a internet não dá dinheiro, especialmente porque as pessoas não estariam dispostas a pagar por conteúdo exclusivo na internet. Vale lembrar outra história do passado. Há cinquenta anos, quando Roberto Civita entendeu que precisava de anunciantes para sustentar suas revistas, e para lhes garantir circulação devia ter um sistema de assinaturas, teve de montar uma rede de distribuição de revistas impressas por todo o país.
Mais: precisou convencer as pessoas a pagar adiantado por um produto que ainda não tinham visto, e só receberiam ao longo do ano. Diante do colossal esforço empreendido pela Editora Abril para criar o sistema de assinatura da revista impressa, que fez da empresa líder absoluta do mercado, não me parece tão difícil convencer hoje leitores a fazer uma assinatura de jornal pela internet, onde se tem o retorno imediato do serviço, acesso ao banco de dados completo e não é preciso esperar pelo caminhão de revistas ou o jornaleiro.
Outro mito que se desenhou sobre o destino da imprensa é que a multiplicação de fontes de informação aumentou a concorrência – onde antes se recorria apenas a dois ou três veículos, hoje se pode utilizar uma multiplicidade de fontes que, entre outras coisas, replicam o conteúdo dos jornais sem pagar por ele. Isso se enfrenta, por um lado, com o combate à pirataria, impondo sanções. Por outro, fazendo um jornalismo sério, que leva um leitor a ser fiel à sua fonte de informações, aquela em que acredita e com a qual pode se identificar. Sim, a internet tem muita coisa - mas tem pouco jornalismo de verdade.
Não se trata de saudosismo, ou de comparar momentos diferentes. Nem é caso de reinventar nada. Os tempos mudam, sim, e a mudança tecnológica destes nossos tempos representa uma enorme reviravolta na comunicação. Porém, os princípios que regem o interesse das pessoas, a necessidade de informação confiável e as bases profissionais do jornalismo não mudaram. É preciso apenas recolocar a imprensa num ambiente que, em última análise, apenas eliminou o papel e facilitou o acesso à informação, nacionalizando e mesmo internacionalizando todos os veículos – o que, em vez de diminuir, só aumentou seu potencial.
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