quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

As mais duras escolhas

Lincoln, o filme de Steven Spielberg, sem ser um grande filme, tem grandes momentos – especialmente aqueles que dão oportunidade à interpretação de Daniel Day-Lewis e algumas cenas, como o encontro do protagonista com o general Grant, ao fim da guerra, numa conversa de compadres. Lincoln comenta que um permitira ao outro realizar uma porção de coisas horríveis. Há na ironia, junto com uma discreta celebração da vitória, o travo de amargor pelo preço que ela custou.

A história americana é marcada pelas terríveis dissenções que levaram um país a uma guerra civil que matou 600.000 pessoas. O filme mostra a dura escolha de um presidente que decide continuar a matança, por uma questão de princípio: enquanto não houver o abolicionismo, isto é, que se restabeleça o princípio da igualdade, nenhuma paz faz sentido. E isso precisa ser levado às últimas consequências.

Lincoln faz aprovar a lei abolicionista e acaba com a guerra de secessão, mas não por um acordo. No Congresso, compra votos e manipula o que pode para encorajar o voto daqueles parlamentares que receiam represálias; com os sulistas, também não obtém nenhum consenso. Apesar de sua vocação para contar histórias - o pendor daqueles que vivem para convencer os outros pelo bem -, só impõe a paz ao aniquilar os confederados pela via militar. O convencimento vale muito pouco. A democracia e a Justiça prevalecem pela força, mesmo no país que se arvora em ambas como o mecanismo da paz.

O filme é esquemático, mas traz as ideias que representam a chave para o avanço do mundo civilizado. A igualdade de direitos, um princípio que parece tão fundamental, foi o grande desafio de Lincoln, mesmo que, como mostra o filme, ele entendesse os negros tanto quanto um povo alienígena. Acreditava na essência da Humanidade, na Justiça e na igualdade perante a lei. E a força dessa convicção era maior do que qualquer diferença, estranheza ou obstáculo.

As dissenções elementares da sociedade americana não desapareceram até hoje. O desafio de Lincoln foi o mesmo de John Kennedy, um século anos depois, quando, ao lado do irmão Bob, seu secretário de Estado, colocou-se ao lado de um negro para que ele pudesse entrar na universidade em um Estado conservador. Seis meses mais tarde, assim como Lincoln, ele seria baleado na cabeça. E seu irmão Bob também seria assassinado pouco tempo depois.

Foram precisos quase 150 anos desde Lincoln e dezenas de eleições presidenciais para que um negro assumisse seu lugar na Casa Branca. A desigualdade ainda é o maior desafio dos presidentes americanos. Não é por outra razão que, no discurso de posse de seu segundo mandato, Barack Obama viu diante de si, no vasto campo diante do Capitólio, em janeiro deste ano, uma multidão que simbolizava o país galvanizado pela importância do momento.

Obama representa não apenas mais uma vitória da igualdade dentro dos Estados Unidos, como uma esperança para todo o mundo: a expectativa de que os americanos aceitem cada vez mais não apenas a igualdade racial e política como a igualdade entre os povos, e que possam a partir disso respeitá-la.

Os adversários de Obama ainda são os mesmos de Lincoln e Kennedy. Aqueles que ainda é preciso vencer às vezes com o ardil ou com a força, para que a Justiça e a igualdade possam subsistir. A esses perdedores historicamente restou o recurso baixo, torpe e covarde da vingança e do terrorismo. Dessa forma eles colaboram, sem querer, para o avanço do Iluminismo. Cada vez que um gigante cai, sua sombra se levanta. Lincoln foi assassinado porque fez a igualdade triunfar, mas aqueles que desejavam sua morte não perceberam que, ao matá-lo, fizeram dele não apenas um mártir, como consagraram seus ideais.


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