sábado, 26 de dezembro de 2009

Obras elevadas


Sempre pensei que as pessoas deviam ser lembradas pelo que elas foram e o que tinham de bom – não pela maneira como morreram. Marcelo Frommer não teve essa sorte. O músico dos Titãs podia ter virado nome de festival, de gravadora, marca de instrumento musical. Não. Virou nome de passarela, na Avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo. Justo para a gente lembrar que morreu atropelado. Que melhor oportunidade para o espírito didático dos administradores públicos?

No aeroporto de Congonhas, uma das passarelas que fazem a ponte aérea sobre a Avenida 23 de Maio ganhou o nome do comandante Rolim Amaro. Não puderam também perder a oportunidade de homenagear com o nome do patrono da TAM esse dispositivo de segurança, talvez para ninguém esquecer que por ali já caíram dois jatos da companhia, com três centenas de mortos, e que o próprio Rolim deixou a vida dentro de um helicóptero.

Passarela não é exatamente um monumento, nem uma grande obra urbana. Não é, por assim dizer, algo que realmente eleva o homenageado. É uma láurea meio pedestre. Não se compara sequer a nome de rua. Quando botam o nome de alguém numa passarela, parece que estão querendo gozar o morto. E ele já não pode fazer nada. Mas o edificador de passarelas tenta engrandecê-las com nomes próprios elevados, para glória deles mesmos e do prefeito.

Na falta de um nome de peso, pode-se recorrer a acontecimentos de impacto. No final da Avenida Sumaré, pouco antes dela se transformar no Viaduto Antártica, ergueu-se a Passarela Arrancada Heróica de 1942, referência a algum feito esquecido pela história do clube ali vizinho, o Palmeiras. Pouco se sabe sobre a tal arrancada heróica, que teria sido bem vinda no campeonato brasileiro. Mas não importa, se o nome impressiona.

Outro dia, tive a oportunidade de utilizar a Passarela Marcelo Frommer. É talvez a mais moderna, cara e completa do Brasil. Coisa de primeiríssimo mundo, um orgulho da engenharia nacional. Leva quinze minutos só para a gente chegar lá em cima, outros tantos para descer do outro lado. Faz das tarefa de atravessar a rua mais que uma atividade prática e objetiva – é um exercício físico e uma experiência filosófica e sensorial. Toda engradada como uma gaiola, para evitar que alguém subverta seus propósitos beneméritos com um salto suicida, simboliza o preço da vida, já que aquelas toneladas de concreto e ferro devem ter custado um bom dinheiro.

Passei ali às 18:30, no horário de pico, em um dia de semana. A noite já tinha caído. Só eu atravessava. Apertei o passo, sobressaltado naquele deserto contrastante com o movimento maciço de veículos lá embaixo. Saí do outro lado exultante. Escapara – não dos veículos, mas de um assalto naquele lugar ermo. E saí com a convicção de que nada substitui a faixa de pedestres como o caminho mais curto, barato, seguro e anônimo entre dois pontos.

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