Ricardo Castilho sentou à minha frente, do outro lado da mesa de trabalho que eu dizia habitar, num edifício na marginal do rio Pinheiros onde hoje há um laboratório médico Diagnósticos da América. Na época, ele era editor de Playboy, da Editora Abril, um dos maiores especialistas em vinho da imprensa brasileira, responsável pelos célebres rankings da revista, e eu era o diretor de uma editora de publicações de estilo de vida entre as quais estava Gula, então a mais prestigiada revista de gastronomia do país.
- Gostaria que você viesse trabalhar aqui.
Castilho, que eu conhecia dos meus próprios tempos de Abril, deu risada. A Abril era quinhentas vezes maior que a editora onde eu trabalhava. Gula ser a maior revista de gastronomia do país não queria dizer grande coisa. Vendia 6 mil exemplares em banca e lutava para ter outro tanto de assinantes. Playboy chegava em certas edições a vender 1 milhão de exemplares. Ele tinha um emprego sólido, estável, num dos melhores lugares para se trabalhar, não apenas da imprensa, como do país, quem sabe do mundo. Gostava do que fazia, e de onde estava. E muito.
- Eu estou na Playboy! - ele disse.
- Eu sei. Mas vou pedir pra você pensar.
- E como você pretende me convencer?
- Só vou te fazer uma pergunta: quando aquilo que você faz vai sair na capa da tua revista?
Duas semanas depois, Castilho estava comigo, em Gula.
Saí da editora quando ela estava sendo fundida com a editora Peixes e ele, insatisfeito com a nova configuração, logo depois saiu também. Conosco, Gula tinha mudado. Rejuvenescera, criara novos serviços, vinha crescendo - tinha 16 mil assinantes. Na Peixes, queriam que voltasse ao que era antes. Castilho resolveu continuar a revista que fazíamos, mas sozinho, em outro lugar.
Juntou-se a dois outros corajosos amigos - a jornalista Mariella Lazaretti e seu marido, brilhante empreendedor, Georges Schnyder -, e eles botaram na revista que Castilho fazia, do jeito que fazíamos, o nome de Prazeres da Mesa.
Agregaram ao negócio o que já vínhamos fazendo em Gula - uma parceria com eventos que, no caso de Gula, na época se chamava Boa Mesa, evento gastronômico iniciado por Josimar Melo. E, corajosamente, Castilho e seus parceiros seguiram em frente, saindo do zero.
Vinte anos depois, posso dizer que Castilho se tornou um de meus maiores orgulhos. Gula e Playboy acabaram. Prazeres da Mesa ainda existe - e como. Ainda publicada em papel, tem hoje 361 mil seguidores no Instagram, um número que jamais imaginaríamos, quando fazíamos Gula.
Com seus parceiros, Castilho tornou-se indiscutivelmente o maior editor de gastronomia do país. O que ele fazia nunca mais deixou de ser capa.
Ele foi isso, e muito mais que isso. Era dual, risonho mas às vezes meio rabugento. Porém sempre ético e trabalhador ao extremo - disposto a colaborar, a resolver, a qualquer custo. Amava o que fazia. E tínhamos algo mais em comum: a paixão atávica pelo Palmeiras, nosso time do coração.
A notícia de que Castilho faleceu de repente esta manhã é dessas coisas que beiram o inacreditável. Esta foto que eu coloquei aí deve ser do Ricardo D'Angelo, que começou a trabalhar conosco lá atrás, em Gula, e colocou em prática o estilo e a qualidade visual que queríamos em Gula e também na revista de Castilho.
Contei uma história profissional do nascimento de um negócio no qual penso como se fosse também quase meu. Mas Castilho que fez, e fez muito mais que isso: era um grande homem, honesto e amoroso, e , para mim, um amigo indispensável. O que ele fez fica, mas sua falta me deixa indignado com a atrocidade do destino.
Prefiro pensar nele como se estivesse ainda ali, com taças a tilintar, num memorável jantar em minha casa, com um grupo de confrades, em que bebemos uma inesquecível garrafa de Montrachet e consumimos mais de um quilo de sobremesa cada um.
Ricardo: tintin.
- Gostaria que você viesse trabalhar aqui.
Castilho, que eu conhecia dos meus próprios tempos de Abril, deu risada. A Abril era quinhentas vezes maior que a editora onde eu trabalhava. Gula ser a maior revista de gastronomia do país não queria dizer grande coisa. Vendia 6 mil exemplares em banca e lutava para ter outro tanto de assinantes. Playboy chegava em certas edições a vender 1 milhão de exemplares. Ele tinha um emprego sólido, estável, num dos melhores lugares para se trabalhar, não apenas da imprensa, como do país, quem sabe do mundo. Gostava do que fazia, e de onde estava. E muito.
- Eu estou na Playboy! - ele disse.
- Eu sei. Mas vou pedir pra você pensar.
- E como você pretende me convencer?
- Só vou te fazer uma pergunta: quando aquilo que você faz vai sair na capa da tua revista?
Duas semanas depois, Castilho estava comigo, em Gula.
Saí da editora quando ela estava sendo fundida com a editora Peixes e ele, insatisfeito com a nova configuração, logo depois saiu também. Conosco, Gula tinha mudado. Rejuvenescera, criara novos serviços, vinha crescendo - tinha 16 mil assinantes. Na Peixes, queriam que voltasse ao que era antes. Castilho resolveu continuar a revista que fazíamos, mas sozinho, em outro lugar.
Juntou-se a dois outros corajosos amigos - a jornalista Mariella Lazaretti e seu marido, brilhante empreendedor, Georges Schnyder -, e eles botaram na revista que Castilho fazia, do jeito que fazíamos, o nome de Prazeres da Mesa.
Agregaram ao negócio o que já vínhamos fazendo em Gula - uma parceria com eventos que, no caso de Gula, na época se chamava Boa Mesa, evento gastronômico iniciado por Josimar Melo. E, corajosamente, Castilho e seus parceiros seguiram em frente, saindo do zero.
Vinte anos depois, posso dizer que Castilho se tornou um de meus maiores orgulhos. Gula e Playboy acabaram. Prazeres da Mesa ainda existe - e como. Ainda publicada em papel, tem hoje 361 mil seguidores no Instagram, um número que jamais imaginaríamos, quando fazíamos Gula.
Com seus parceiros, Castilho tornou-se indiscutivelmente o maior editor de gastronomia do país. O que ele fazia nunca mais deixou de ser capa.
Ele foi isso, e muito mais que isso. Era dual, risonho mas às vezes meio rabugento. Porém sempre ético e trabalhador ao extremo - disposto a colaborar, a resolver, a qualquer custo. Amava o que fazia. E tínhamos algo mais em comum: a paixão atávica pelo Palmeiras, nosso time do coração.
A notícia de que Castilho faleceu de repente esta manhã é dessas coisas que beiram o inacreditável. Esta foto que eu coloquei aí deve ser do Ricardo D'Angelo, que começou a trabalhar conosco lá atrás, em Gula, e colocou em prática o estilo e a qualidade visual que queríamos em Gula e também na revista de Castilho.
Contei uma história profissional do nascimento de um negócio no qual penso como se fosse também quase meu. Mas Castilho que fez, e fez muito mais que isso: era um grande homem, honesto e amoroso, e , para mim, um amigo indispensável. O que ele fez fica, mas sua falta me deixa indignado com a atrocidade do destino.
Prefiro pensar nele como se estivesse ainda ali, com taças a tilintar, num memorável jantar em minha casa, com um grupo de confrades, em que bebemos uma inesquecível garrafa de Montrachet e consumimos mais de um quilo de sobremesa cada um.
Ricardo: tintin.
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