Há 100 anos morria Kafka, num asilo para tuberculosos, aos 50 anos de idade. As cartas que escreveu para Milena Jesenská, uma jornalista casada, por quem se apaixonou pela empatia criada durante o período em que ela o traduzia do alemão para o checo, mostram bem como foram seus últimos anos. O fato de Milena não deixar o marido, contra as expectativas criadas nos encontros que a distância dificultava, traz à tona a principal característica de Kafka, tão presente na sua literatura: o desejo de amor, ou de entendimento, que para ele era o sentido do amor - sempre irrealizado, ou incompreendido, talvez impossível.
Essa impossibilidade do entendimento, ou do amor genuíno, é o que causa a estranheza do mundo kafkiano. A crueldade do mundo destrói sua inocência e seus melhores sentimentos: consome. Milena o conheceu bem; descreve Kafka como uma alma frágil que via "demônios" em toda parte.
"Kafkiano" virou sinônimo de absurdo. Mas o que é absurdo, para Kafka? Não sabemos se estranho é o mundo que ignora e atropela os sentimentos de cada um, ou se o indivíduo mais frágil que é estranho a um mundo tão duro.
Essa dúvida, presente em toda a obra, as cartas e a vida de Kafka, fez dele um dos maiores autores contemporâneos e, como Orwell, um profeta do mundo atual. Hoje o meio digital expõe a privacidade como nunca e coloca todos em comunicação permanente, mas, como ele apontou, a solidão e o sentimento de abandono e impotência nunca foram tão grandes na vida humana.
Seja diante da família indiferente de Metamorfose, seja sob o opressivo sistema condenatório de O Processo, o ser humano de Kafka se contrapõe à desumanidade dos outros, ou do sistema, que se impõem. A necessidade de amor é tão maior quanto a sensação de incompreensão. Mas será a sua frágil alma que inventa as coisas ou o mundo é realmente impiedoso?
O solitário Kafka escrevia cartas a um amor impossível enquanto lentamente morria. Sua obra é uma defesa do amor, da compaixão, da humanidade, e é também um alerta. Alguém que morreu sozinho e jovem hoje fala com muita gente - mas é tarde demais, para quem precisava disso, tanto, em vida.
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