Encostou-se na parede, à espera do trem. Gostava, queria, precisava daquela solidão. Meia hora antes, estava com a mulher, Silvia, em um apartamento de classe média na capital americana, aquilo que ela achava perfeito. Sandra, melhor amiga de sua mulher, casada com George, militar americano, os recebera e fizera um belo almoço; os dois maridos, que se viam pela primeira vez, esforçavam-se para ser simpáticos um com o outro.
Elas se conheciam desde a adolescência, eles há pouco minutos; Sandra se esmerou na comida, Mark em abrir uma garrafa de vinho premiada; contou-lhes do barco que tinha ancorado no Potomac, na primavera ele o tirava para passear, gostavam de velejar no rio, especialmente aos domingos.
Esforçava-se em querer mostrar que os americanos não eram tão aborrecidos para brasileiros como se pensava: a vida ali era boa, eles eram felizes, a melhor amiga de Silvia estava feliz e satisfeita, mesmo longe da família, do país, do feijão com arroz.
As duas mulheres tagarelavam, tirando o atraso da conversa naquele reencontro, proporcionado por uma esticada de Nova York a Washington que Tirso concordara em fazer só para aquilo.
Faziam planos para mais tarde. Tirso e Silvia estavam hospedados em um hotel em Cristal City, com seus prédios envidraçados e aquelas galerias internas que permitiam caminhar longas distâncias fugindo do frio congelante do inverno na rua. George e Sandra poderiam mais tarde buscá-los de carro. Iriam a um lugar para dançar, havia um que ficava no edifício de um antigo banco, a pista era dentro de um cofre, com aquelas portas de chumbo, uma grande roda girando sobre pesados gonzos.
Estava tudo perfeito, a comida, o vinho, as promessas de diversão, mas Tirso olhava para George já sem escutar, distante e imerso, peixe num aquário. Disse que achava melhor deixarem as mulheres conversar, matar a saudade, colocar a conversa em dia; não queria atrapalhar, poderia aproveitar a hora. Tinha curiosidade de visitar a biblioteca do Congresso, algo que Silvia não gostaria de fazer; aproveitaria que ela estava em boa companhia para dar uma volta e conhecer o Capitólio.
George também achou boa ideia; sugeriu que visitassem outro dia, com as mulheres, o Smithsonian Museum, o Lincoln Memorial e o que mais quisessem.
Estava tudo perfeito, a comida, o vinho, as promessas de diversão, mas Tirso olhava para George já sem escutar, distante e imerso, peixe num aquário. Disse que achava melhor deixarem as mulheres conversar, matar a saudade, colocar a conversa em dia; não queria atrapalhar, poderia aproveitar a hora. Tinha curiosidade de visitar a biblioteca do Congresso, algo que Silvia não gostaria de fazer; aproveitaria que ela estava em boa companhia para dar uma volta e conhecer o Capitólio.
George também achou boa ideia; sugeriu que visitassem outro dia, com as mulheres, o Smithsonian Museum, o Lincoln Memorial e o que mais quisessem.
Silvia adorou tudo, na verdade não se importava, queria apenas estar com a amiga, acenou com a cabeça e assim ele saiu, com breves despedidas. George disse que na esquina havia uma estação do metrô, por ele chegaria ao Capitólio, era simples e rápido.
Quando a porta do lar americano bateu às suas costas, Tirso sentiu-se repentinamente livre, ou aliviado: ao descer o elevador, passar o hall de entrada e ver-se na calçada ensolarada, era como se tomasse sol pela primeira vez na vida.
Quando a porta do lar americano bateu às suas costas, Tirso sentiu-se repentinamente livre, ou aliviado: ao descer o elevador, passar o hall de entrada e ver-se na calçada ensolarada, era como se tomasse sol pela primeira vez na vida.
Não foi difícil achar a estação, comprou o bilhete, desceu a escadaria até a plataforma: vazia, aquele silêncio, tudo confortador, como se tivesse escapado de uma guerra para um esconderijo seguro.
Não sabia direito o que havia de errado com o que deixara para trás. Talvez a resposta estivesse à frente: a biblioteca, os livros, o mundo interior onde ele navegava, e que Sílvia via com certo desdém. "Você pensa demais", ela dizia.
Não sabia direito o que havia de errado com o que deixara para trás. Talvez a resposta estivesse à frente: a biblioteca, os livros, o mundo interior onde ele navegava, e que Sílvia via com certo desdém. "Você pensa demais", ela dizia.
Agora ela ficava para trás e ele ia em direção a uma biblioteca, uma das maiores bibliotecas do mundo, no Congresso americano, sede do Iluminismo ocidental, onde a república tinha sido proclamada antes mesmo da revolução francesa, berço das ideias e dos ideais contemporâneos de liberdade, igualdade e tolerância.
Havia um certo efeito analgésico naquele túnel deserto, uma estação em silêncio, toda para ele; nesse instante, ouviu o barulho do trem chegando, a luz se insinuando na penumbra, até que ele passou, aquele borrão horizontal, na plataforma contrária ao sentido em que ele ia; viu a composição brecar aos poucos, com um guincho estertorante, até a imobilidade total.
Assim como a plataforma, o trem estava vazio: era tarde, ou era um momento mágico, Tirso não sabia, mas olhava os vagões desertos como num sonho. Foi então que viu a mulher, sentada à janela, sozinha no vagão inteiro, no trem inteiro. Olhava para baixo, debruçada sobre um livro. Um livro.
Havia um certo efeito analgésico naquele túnel deserto, uma estação em silêncio, toda para ele; nesse instante, ouviu o barulho do trem chegando, a luz se insinuando na penumbra, até que ele passou, aquele borrão horizontal, na plataforma contrária ao sentido em que ele ia; viu a composição brecar aos poucos, com um guincho estertorante, até a imobilidade total.
Assim como a plataforma, o trem estava vazio: era tarde, ou era um momento mágico, Tirso não sabia, mas olhava os vagões desertos como num sonho. Foi então que viu a mulher, sentada à janela, sozinha no vagão inteiro, no trem inteiro. Olhava para baixo, debruçada sobre um livro. Um livro.
Por um instante ele pensou que poderia estar ali a mulher da sua vida, e o que aconteceria se ela olhasse para ele, os dois sozinhos naquela estação. Olhava para a mulher distraída, com o livro na mão, só os dois naquela estação, e não precisava saber mais nada sobre ela.
Lembrou-se de Silvia; pedira para a mulher ler o livro que tentava escrever, mas ela, cansada, deixara o calhamaço torturado de folhas na cabeceira, dia após dia; qualquer hora veria aquilo, daria opinião. Tirso passou a ter aquela vontade, então, de ir a algum lugar. Não era Washington, não era Nova York, era um lugar de encontro com ele mesmo, onde havia estantes, livros, e uma mulher, com um livro na mão.
Na plataforma oposta, as portas da composição se abriram, para ninguém; houve um instante de expectativa, Tirso não sabia por que, já que ninguém ia entrar. A mulher com o livro continuava a leitura, imóvel; pensou se ela sabia que ele estava ali, pressentia que ele olhava para ela. Imaginava agora outra vida, que não era a dele, ou melhor, era a dele, mas uma vida que não tinha com ninguém. As portas do trem se fecharam; o cheiro de metal queimado passou pelas narinas de Tirso, quando a máquina acordou, as engrenagens lentamente se moveram, e a composição começou a andar.
Nesse momento, a mulher do livro levantou a cabeça. Era uma bela mulher. Viu Tirso encostado na parede, olhando o trem ir embora, distanciando-se em velocidade cada vez maior. Apenas um momento, e, enquanto se afastava, com o livro aberto nas mãos, enquanto o trem a levava para nunca mais, pela janela ela sorriu.
Lembrou-se de Silvia; pedira para a mulher ler o livro que tentava escrever, mas ela, cansada, deixara o calhamaço torturado de folhas na cabeceira, dia após dia; qualquer hora veria aquilo, daria opinião. Tirso passou a ter aquela vontade, então, de ir a algum lugar. Não era Washington, não era Nova York, era um lugar de encontro com ele mesmo, onde havia estantes, livros, e uma mulher, com um livro na mão.
Na plataforma oposta, as portas da composição se abriram, para ninguém; houve um instante de expectativa, Tirso não sabia por que, já que ninguém ia entrar. A mulher com o livro continuava a leitura, imóvel; pensou se ela sabia que ele estava ali, pressentia que ele olhava para ela. Imaginava agora outra vida, que não era a dele, ou melhor, era a dele, mas uma vida que não tinha com ninguém. As portas do trem se fecharam; o cheiro de metal queimado passou pelas narinas de Tirso, quando a máquina acordou, as engrenagens lentamente se moveram, e a composição começou a andar.
Nesse momento, a mulher do livro levantou a cabeça. Era uma bela mulher. Viu Tirso encostado na parede, olhando o trem ir embora, distanciando-se em velocidade cada vez maior. Apenas um momento, e, enquanto se afastava, com o livro aberto nas mãos, enquanto o trem a levava para nunca mais, pela janela ela sorriu.
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