segunda-feira, 11 de julho de 2022

Uma conversa com o presidente (um outro)

 
- Vai lá! Ele adora história.

Maria João, assessora cultural do governo português, sentada à mesa comigo, me estimula a falar com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no almoço oferecido pelo governo português dentro do Expo Center Norte, onde acontece a Bienal do Livro - e Portugal tem um pavilhão, como país convidado de honra.

Desço correndo ao piso térreo, onde ficam os estandes, compro dois de meus próprios livros de história (A Conquista e A Criação do Brasil) e volto correndo ao almoço.

- Dois? - diz o presidente, com um sorriso, quando me aproximo de sua mesa, com os livros na mão.
Explico que sou autor e editor e lançamos no Brasil o selo Assírio & Alvim, que tem em Portugal os grandes autores nacionais, e meu propósito é não apenas lançar autores portugueses aqui, como fazer com autores brasileiros o mesmo trabalho que a editora faz em Portugal.

- Mas tem de ter autor brasileiro em Portugal também, hein? - diz ele.

Sousa é muito afável e faz seu trabalho como um alegre diplomata. Conversamos sobre a política com equilíbrio, que ele tão bem representa, e o presidente me convida para visitá-lo no palácio, em minha próxima viagem a Portugal, como alguém que diz, "passa lá em casa".

Em seus discursos, falou da Bienal como se o Brasil fosse o seu país, ou ele fosse o presidente brasileiro, de tão orgulhoso da pujança do evento. Andou pelos estandes, comprou livros para uma brasileira que teve coragem de abordá-lo, fez fotografia com Deus e todo mundo, foi um sucesso.
 
Só não encontrou o presidente Jair Bolsonaro, que não foi à Bienal e desmarcou em Brasília um encontro oficial entre chefes de Estado, numa inexplicável represália pelo fato de Sousa ter encontrado Lula, na série de encontros de cortesia do presidente português com ex-presidentes brasileiros, incluindo FHC e Temer. 

Uma falta de educação tão grande, que, além de vergonhosa pelo contraste entre os dois líderes, só mostra como é difícil um real progresso num país onde não há na liderança sequer um pingo de civilidade.

Sousa é famoso em Portugal por ser uma pessoa simples e acessível. Professor, advogado e editor de origem, foi um dos fundadores do Expresso, um dos jornais mais importantes de Portugal. Na presidência, não abandonou hábitos como ir sozinho ao supermercado.

Conta-me Vasco David, editor da Assírio em Portugal, que Sousa gosta de nadar e, certa vez, no Algarve, salvou uma pessoa que se afogava, o que o transformou também em herói acidental. Certa vez, foi convidado de honra no jantar mensal de editores portugueses (algo que não existe aqui). Passou a frequentá-lo eventualmente, por genuíno interesse e prazer.

De acordo com o sistema político português, Sousa não tem funções executivas no governo, isto é, não comanda a administração. Porém, representa o Estado e tem um poder que o presidente do Brasil não tem, que é o de dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Sobretudo, dá o tom de comportamento a um país onde o Estado fomenta a cultura, promove-a internamente e também no exterior, como o grande patrimônio nacional, a unir, identificar, valorizar a nação e fazê-la cruzar fronteiras.

Portugal é antes de mais nada o país de Camões, de Pessoa, de Saramago: orgulhos nacionais, código em comum de todos os portugueses, aprendido na escola. E que eles fazem questão de mostrar, algo que faz um país pequeno poder ser grande, como escrevo em meu livro poema, Asas sobre nós. Um exemplo inspirador, não só para o Brasil como para o mundo.

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