- A gente está aqui emprestado. A hora que ficar bom, vai embora.
Zoel está com as pernas verdes, de roçar grama. Chateado, como eu. Acabamos de perder um colaborador. E um amigo. Usa a sabedoria da roça para nos consolar.
Lazinho. Depois de oito anos, não sei o nome inteiro dele, mas não interessa, porque na roça as pessoas têm um nome só. Quando cheguei a esta montanha, me ajudou a arrumar as coisas. Um homem tranquilo, positivo, trabalhador.
Vivia para a família. Construiu duas casas, melhores que as dele, mas morava na mesma, de sempre. A primeira, deu para a filha mais velha. A outra, alugava para turismo. Mestre de obra, era um faz tudo – pedreiro, encanador, marceneiro. Conselheiro nas coisas do mato, que ele conhecia todas, de cobra a minhoca, de flor até raio. Com o tempo, além de ajudar, foi ficando amigo.
Tinha também a sabedoria da roça, que tem mais valor, a meu ver, pela simplicidade, que vem da proximidade maior com o campo, a natureza. Aqui as plantas vicejam e morrem. Vem a seca e depois a chuva. O homem do campo aceita os ciclos. E que faz parte deles.
Lazinho recebeu assim a notícia do câncer que o levou em dois anos: como quem vê o inverno chegar cedo, este ano.
Certo dia, a mulher, Cida, mentiu que não tinha recebido a mensagem de Virgílio, meu médico, que tem casa perto da nossa e o ajudou a encaminhar-se no tratamento. Lazinho percebeu que ela estava sem coragem de dar más notícias e insistiu em saber a verdade.
- Se a gente tem de morrer -, ele disse -, pelo menos o meu já está marcado.
É difícil aceitar a perda de uma pessoa. Para mim, a natureza é revoltante, inaceitável. Mas aqueles que estão próximos dela, têm no nariz o cheiro de orvalho da noite e da grama molhada sob o sol da manhã, tiram o leite puro e depois a carne do gado, esses mais do têm coragem: são a coragem.
Eu e Lazinho andamos muito no mato, treinamos na besta, para caçar javali, que nunca caçamos, fizemos reformas e projetos que nunca se realizaram. Aparecia um problema, chama o Lazinho. Não tinha problema, também.
Aqui em casa muitas vezes Lazinho sentou, tomamos um dedo de cachaça, jogamos conversa fora. Aqui o sol entra pela varanda, bate na mesa, ilumina a conversa e a gente esquece o relógio. Aqui, eu só lembro do relógio porque, agora, falta alguém na cadeira, que está vazia na minha frente. E sei que ele não voltará para trás.
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