Leão na bola: bom, briguento e vaidoso |
O esporte me ensinou muito sobre vitórias e derrotas e também que a presença é o maior bem que podemos ter. Papai ia ao futebol com vovô e uma de suas memórias mais caras de infância foi um jogo da Copa do Mundo de 1954 - um Itália e Argentina em que o goleiro portenho, chamado Vaca, fez inesquecíveis milagres.
Eu gostava de sentar com ele na arquibancada do Pacaembu, num canto da arquibancada que não custava muito caro, e o futebol era sempre pretexto para conversas e algumas horas de companheirismo despreocupado. Um tempo que tinha algo de cumplicidade entre homens, mesmo sendo eu apenas um menino, o que fazia eu me sentir muito importante.
Naquele tempo em que o Palmeiras tinha a poderosa "academia", derrotas eram raras – o time ficou dois anos invicto, entre 1973 e 1974, quando foi bicampeão brasileiro. O torcedor tinha mais mais liberdade, especialmente dentro do Parque Antártica, o antigo estádio do Palmeiras. No intervalo do jogo, mudávamos de lado na arquibancada, para ficar mais perto do campo de ataque. Como o Palmeiras sempre dominava a bola, a maior parte do jogo acontecia no campo do adversário.
Eram todos grandes jogadores, mas eu, desde cedo, admirava e tinha como ídolo Leão: o audaz, esbelto e briguento goleiro do Palmeiras. Não gostava de perder de jeito nenhum. E era vaidoso. Até então, os goleiros usavam uma roupa cinza ou preta, como a dos juízes. A regra diz que o goleiro precisa ter um uniforme diferente do time, não necessariamente preto. Leão aproveitou-se disso para envergar uma camisa azul, que se tornaria tradicional no clube por longo tempo.
Tive uma camisa daquelas, de algodão, com o escudo do Palmeiras sobre o plexo solar. Numa loja de esportes da Líbero Badaró, meu pai comprou para mim também luvas emborrachadas de goleiro, meio grandes para minhas mãos pequenas. Posso sentir até hoje o cheiro do couro e borracha.
Passava horas sozinho, chutando a bola contra a parede, e saltando para pegá-la de volta. Não há sensação mais maravilhosa do que voar na bola, fazendo a “ponte” – a defesa mais plástica do futebol, em que o goleiro se estica completamente no ar. Defender uma bola com a “ponte” era como fazer um gol.
Mais tarde, ao jogar na Casa Verde, ia sempre para o gol. Meu primo, que tinha seis anos mais que eu, estava sempre nas peladas da rua, do colégio Nossa Senhora das Dores e, depois no Matarazzo, o time do bairro, que jogava no antigo campo do antigo Guarani da Casa Verde, na várzea do Tietê. Como eram meninos mais velhos, para não me machucarem, ele me mandava sempre para o gol.
Aqueles eram outros tempos do futebol; havia ainda algo romântico no esporte. Lembro das difíceis partidas contra o Juventus de Milton Buzzetto, um técnico especialista em retrancas, que nos faziam sofrer – e algumas vezes, perder a cabeça.
Num jogo assim, uma briga se transformou numa batalha campal. Foram expulsos todos os jogadores do Palmeiras, menos, salvo engano, o olímpico Ademir da Guia. O juiz deu vermelho até para Leão, que estava no gol, longe da confusão, mas correu metade do campo para entrar na briga. Na partida seguinte, com a suspensão dos titulares, o Palmeiras entrou em campo somente com reservas; no lugar de Leão, jogou um goleiro com nome de astro de cinema: Raul Marcel.
Torcidas podiam levar bandeiras aos estádios e torcedores de times diferentes conviviam lado a lado, de forma mais ou menos civilizada.
Naquele tempo em que o Palmeiras tinha a poderosa "academia", derrotas eram raras – o time ficou dois anos invicto, entre 1973 e 1974, quando foi bicampeão brasileiro. O torcedor tinha mais mais liberdade, especialmente dentro do Parque Antártica, o antigo estádio do Palmeiras. No intervalo do jogo, mudávamos de lado na arquibancada, para ficar mais perto do campo de ataque. Como o Palmeiras sempre dominava a bola, a maior parte do jogo acontecia no campo do adversário.
Eram todos grandes jogadores, mas eu, desde cedo, admirava e tinha como ídolo Leão: o audaz, esbelto e briguento goleiro do Palmeiras. Não gostava de perder de jeito nenhum. E era vaidoso. Até então, os goleiros usavam uma roupa cinza ou preta, como a dos juízes. A regra diz que o goleiro precisa ter um uniforme diferente do time, não necessariamente preto. Leão aproveitou-se disso para envergar uma camisa azul, que se tornaria tradicional no clube por longo tempo.
Tive uma camisa daquelas, de algodão, com o escudo do Palmeiras sobre o plexo solar. Numa loja de esportes da Líbero Badaró, meu pai comprou para mim também luvas emborrachadas de goleiro, meio grandes para minhas mãos pequenas. Posso sentir até hoje o cheiro do couro e borracha.
Passava horas sozinho, chutando a bola contra a parede, e saltando para pegá-la de volta. Não há sensação mais maravilhosa do que voar na bola, fazendo a “ponte” – a defesa mais plástica do futebol, em que o goleiro se estica completamente no ar. Defender uma bola com a “ponte” era como fazer um gol.
Mais tarde, ao jogar na Casa Verde, ia sempre para o gol. Meu primo, que tinha seis anos mais que eu, estava sempre nas peladas da rua, do colégio Nossa Senhora das Dores e, depois no Matarazzo, o time do bairro, que jogava no antigo campo do antigo Guarani da Casa Verde, na várzea do Tietê. Como eram meninos mais velhos, para não me machucarem, ele me mandava sempre para o gol.
Aqueles eram outros tempos do futebol; havia ainda algo romântico no esporte. Lembro das difíceis partidas contra o Juventus de Milton Buzzetto, um técnico especialista em retrancas, que nos faziam sofrer – e algumas vezes, perder a cabeça.
Num jogo assim, uma briga se transformou numa batalha campal. Foram expulsos todos os jogadores do Palmeiras, menos, salvo engano, o olímpico Ademir da Guia. O juiz deu vermelho até para Leão, que estava no gol, longe da confusão, mas correu metade do campo para entrar na briga. Na partida seguinte, com a suspensão dos titulares, o Palmeiras entrou em campo somente com reservas; no lugar de Leão, jogou um goleiro com nome de astro de cinema: Raul Marcel.
Torcidas podiam levar bandeiras aos estádios e torcedores de times diferentes conviviam lado a lado, de forma mais ou menos civilizada.
Não havia tanto dinheiro no futebol, e os jogadores que iam para a Europa, uma economia mais forte, onde os atletas passaram a conseguir contratos milionários, eram mais raros. Os craques do Brasil jogavam no próprio país e havia grandes partidas, tanto nos campeonatos estaduais, onde os times do interior eram fortes, quanto no Campeonato Brasileiro.
Poucos jogos passavam na televisão, e os jogos da cidade não eram transmitidos ao vivo, já que não havia a TV a cabo; com sorte, à noite se podia ver o “videotape” da partida. Por isso, ir ao estádio era mais barato, frequente, e importante.
Embora o Palmeiras da minha infância fosse um time vitorioso, não importava o resultado da partida, desde que eu e meu pai estivéssemos juntos. Essa era a essência do futebol. Com o esporte, aprendemos a suportar melhor, até com bom humor, os maus resultados. Todos os torcedores se rendem a um certo saudosismo, a pensar que o futebol de sua infância era melhor, porque está misturado a nossas melhores lembranças.
Pode ser que as crianças de hoje achem o mesmo no futuro e este tenha sido para elas o melhor tempo do futebol. De todo modo, com os escândalos de corrupção, derivados das fortunas que correm nos jogos de azar agora feitos por redes virtuais, as tentações do demônio são maiores, ainda que a índole do ser humano sempre tenha sido a mesma.
Hoje, meus heróis continuam a ser os mesmos de antigamente; não sou capaz de enxergar novos ídolos, mas sou fiel aos mesmos, diante dos quais, ainda, me sinto criança.
Poucos jogos passavam na televisão, e os jogos da cidade não eram transmitidos ao vivo, já que não havia a TV a cabo; com sorte, à noite se podia ver o “videotape” da partida. Por isso, ir ao estádio era mais barato, frequente, e importante.
Embora o Palmeiras da minha infância fosse um time vitorioso, não importava o resultado da partida, desde que eu e meu pai estivéssemos juntos. Essa era a essência do futebol. Com o esporte, aprendemos a suportar melhor, até com bom humor, os maus resultados. Todos os torcedores se rendem a um certo saudosismo, a pensar que o futebol de sua infância era melhor, porque está misturado a nossas melhores lembranças.
Pode ser que as crianças de hoje achem o mesmo no futuro e este tenha sido para elas o melhor tempo do futebol. De todo modo, com os escândalos de corrupção, derivados das fortunas que correm nos jogos de azar agora feitos por redes virtuais, as tentações do demônio são maiores, ainda que a índole do ser humano sempre tenha sido a mesma.
Hoje, meus heróis continuam a ser os mesmos de antigamente; não sou capaz de enxergar novos ídolos, mas sou fiel aos mesmos, diante dos quais, ainda, me sinto criança.
Ave, Leão.
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