Era 1986 e o bilionário americano David Rockefeller, então presidente do banco Chase Manhattan, resolveu visitar o MAM, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, durante uma passagem por São Paulo. Eu, então aos 22 anos, entusiasmado e inexperiente repórter da seção de Nacional do jornal Gazeta Mercantil, fui destacado para tentar arrancar dele uma entrevista, se tivesse a oportunidade. E tinha que ter, porque, caso contrário, estava frito. Repórteres sem sorte não duram muito no emprego.
Esperei Rockefeller na marquise do parque, perto da entrada do museu, ao lado de um verdadeiro batalhão de outros jornalistas - avisados, assim como meu jornal, pela assessoria de imprensa do museu. Lá veio Rockefeller, num terno escuro, com sua cara de americano mais que americano, os cabelos grudados à cabeça com gel, nariz afilado, passo de lorde, sem se assustar nem um pouco com os jornalistas brasileiros, ao contrário. Para minha surpresa, fui eu o único a lhe fazer perguntas, por uma razão muito simples: era também o único a arranhar alguma coisa de inglês.
Surpreso com tanta gente na sua frente, mas um único interlocutor, ele me perguntou se eu tinha aprendido a falar a língua nos Estados Unidos. Respondi que não conhecia o país: o que sabia de inglês tinha vindo de um mero curso intensivo no Cel-lep. Ele pareceu um pouco desapontado. Explicou que estava ali para ver o Museu porque sua família tinha contribuído com grande parte do acervo e queria ver como estavam as coisas. Eu, porém, não estava muito interessado em arte. Num jornal de negócios, só queria fazer perguntas sobre economia.
Enquanto conversávamos, caminhando, reparei que um fotógrafo da Folha de São Paulo ia rolando no chão, ao nosso lado, feito um cachorro amestrado. Fiz de conta que não vi. Rockefeller também. Quando o banqueiro entrou no museu, fui perguntar o que tinha dado no fotógrafo.
- Você não viu? - ele disse. - O homem está com uma meia furada! Eu tinha que fazer a foto!
Eu não pude publicar a foto - mas não deixei de publicar, no texto, aquele episódio anedótico.
Como herdeiro de um dos maiores impérios de negócios dos Estados Unidos, Rockefeller representava bem a aristocracia americana. Seu bisavô, o lendário John Rockefeller, fizera fortuna com petróleo e ganhara tanto dinheiro que no final a maior empresa do grupo, com os passar dos anos, se tornara o banco. Isso não impedia Rockefeller de conversar normalmente com um repórter brasileiro quase monoglota nem andar de meia furada.
Ontem, deu nos jornais a notícia de que David Rockefeller morreu, aos 101 anos de idade. Era o último neto vivo do fundador da companhia. Os Estados Unidos hoje são outros, os negócios também, e com ele vai embora o último remanescente de toda uma geração empresarial que eu vi passar e ajudar a construir o mundo como o vemos hoje, para o bem e para o mal. Rockefeller era amigo do secretário de Estado Henry Kissinger e a influência do seu banco, ou melhor, do capital americano, era tamanha que sua importância equivalia à de um chefe de Estado.
Assim como os homens de calibre, o jornalismo hoje em dia também tem um peso muito menor no mundo que no passado. E funciona muito diferente. É raro um repórter fazer plantão em qualquer lugar à espera de uma entrevista. Em geral o entrevistado já emite suas opiniões num blog pessoal e a imprensa digital copia aquilo e cola. Por fim, eu mudei. Já fui vezes sem conta aos Estados Unidos. Morei um ano em Nova York e conheço o país de cabo a rabo. Fui o primeiro editor da Forbes no Brasil, consultor do Discovery Channel e dirigi o Grupo Playboy na Editora Abril, o que sempre me manteve em contato direto com americanos. Jamais, porém, procurei Rockefeller, como ele me convidou a fazer. Talvez devesse ter ido vê-lo. Agora, é tarde demais.
Não sou do tipo saudosista, que vai dizer que antigamente era melhor. Mas essa pequena notícia sobre a morte de Rockefeller num canto qualquer do espaço virtual me lembra que era, pelo menos, mais divertido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário