quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

As coisas perdidas

A família, os elos cortados e a luz poente na super metrópole



Penso nas coisas perdidas, árvores caídas com o vento, que viram sinal do tempo, deixando um vazio na paisagem. Penso na mãe que já não vejo, mãe de um tempo benfazejo, tempo que também não retorna, enviado como ela não sei para que céu. Penso em meu pai, que ainda está por perto, mas ao mesmo tempo distante, como se tivesse sido bastante o tempo da minha criação. O tempo da família, que ficou atrás como a mobília, e deu lugar a uns poucos versos.

Penso nos amigos dispersos, pelo tempo e pelas obrigações, e penso que ainda somos todos os mesmos, próximos e fieis e queridos, um pouco mais vividos, talvez um pouco mais sofridos, e sinto falta do aconchego da amizade.

É como se a roda viva fizesse perdida a juventude, esta que não precisaria acabar nunca, porque ela mora no peito, a despeito do que acontece com os cabelos mais brancos. Penso na liberdade perdida, a liberdade de andar e brincar na rua da infância, a rua sem medo, menos quando diziam que vinha o homem do saco. Penso na confiança arrancada do peito, a melancolia dodo tempo que meu filho jamais terá; da vida em casa de meus avós, desperdiçada continuidade.

Sinto falta dos elos cortados, sinto falta dos outros que não vejo. os outros que prezo ainda mais que antes, pois não importa estar longe, de estarmos indolentes, ruminando a vida; sofro por mim e por eles, angústia que no final é só minha, pois todos entendem melhor, assim penso, que a vida segue dessa forma, é seu natural.

A angústia é só minha, como são também minhas são as flores, o torvelinho da água, a chuva de verão; as paisagens que não serão perdidas na espiral da memória, ou apagadas na indiferença do tempo; talvez as pessoas devessem ser como as árvores, que quando caem descobrem mais um pedaço de céu.

Deslizo estes pensamentos no caderno quadriculado com a ponta da minha Jotter, querendo ficar um pouco mais; não perdi a sensação do vento no rosto, não eprdi os meus desertos, que enchi com o coração; não perdi o prazer simples do homem andando na rua, esquecido na multidão, nem de ver a vida próxima, os rios de lanternas vermelhas no fim de tarde, a metrópole ensanguentada pelo sol poente, que se enfia sob as pontes da Marginal; os bueiros que exalam seu hálito de sepulcro, os mendigos de olhos negros, os seguranças de ternos mal ajambrados; as janelas enegrecidas pela fuligem da cidade.

Perdemos aquela calma do passado, trocado pelo frenesi, mesclado à indiferença, acabou-se o tempo de olharmos para nós mesmos, o que dizer então de olhar para os outros; perdemos o hábito de parar o relógio, de jogar baralho após o almoço de domingo, de tirar a soneca, de não fazer nada, esquecer o tempo. Perdemos muito do sentido, dos laços, das antigas salvaguardas, da importância essencial da vida sem objetividade, sem informação imediata, do direito ao esquecimento; perdemos assim as esperanças, e mergulho dentro de mim mesmo, como quem vai ao poço beber.

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