quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Prêmio Benvirá: como se tornar um escritor de verdade
Raphael Montes é um moleque de sorte.
Há dois anos, quando abrimos o primeiro Prêmio Benvirá de Literatura, e recebemos 1932 inscrições, achamos um texto que chamava a atenção por duas razões. A primeira: era um livro policial denso, consistente, que mergulhava no universo da juventude carioca, do tipo que entretém e faz pensar, uma combinação excelente para uma obra de ficção. Selecionado entre os dez finalistas, recebeu elogios de todos os jurados, especialmente do crítico e jornalista Nelson de Oliveira. "Normalmente não gosto muito de policial, ainda mais para prêmio", disse ele, na época. "Mas gostei muito deste - eu o consideraria."
A segunda coisa que chamou a atenção foi a quilometragem do autor: Raphael, que mentia a idade, tinha apenas 19 anos. Começara a escrever Suicidas três anos antes, com somente 16.
Suicidas não ganhou, e Raphael achou que estava fora do baralho. Entregou os originais para uma pequena editora. Tinha já um contrato assinado. Quando recebeu um telefonema meu, interessado em publicar o livro pela Saraiva, selo Benvirá, mudou de ideia na hora. Conversou com o editor, desfez o contrato. "Ele entendeu", me contou, depois.
Por alguns meses, enquanto preparávamos os originais de Suicidas, eu costumava brincar na Editora que ele se tornara o autor não publicado mais famoso do Brasil. Estudante de Direito, a um semestre de completar o curso, no Facebook e aonde ia, Raphael se autointitulava "escritor". E se enfiava em cursos, seminários, até na imprensa. Foi entrevistado como "autor" pelo jornal O Globo, durante a Bienal do Rio. Foi convidado para dividir mesa de debates literários com autores de renome, já publicados por grandes editoras. Um prodígio da vontade.
Raphael deu sorte, mas também porque estava em todo lugar. Há dois anos, apareceu na minha frente em Paraty, durante a Flip, e se apresentou. Rapaz simpático, falante, acabou entrando para o grupo que estava lá reunido - os autores da Benvirá, Luis Felipe Pondé, o mexicano Enrique Krauze, a romancista argentina Pola Oloixarac, a "musa' do evento. Conviveu com os autores na intimidade, nos jantares que promovemos na casa de Benoir Gautier, um amigo querido, e conheceu por dentro o clima dos grandes eventos literários. Me pediu um conselho. E eu dei: "Forme-se e não largue seu emprego - por enquanto".
Lógico que a primeira coisa que Raphael fez, ao se ver um autor prestes a ser publicado, foi contrariar meu primeiro e único conselho: largou o emprego (na verdade, um estágio de Direito), com o pretexto de ir de novo à Flip, este ano. Talentoso, ousado, a ponto de ser meio abusado, lá estava ele de novo, no meio da massa de Paraty, com suas bermudas balançando ao redor dos cambitos de garoto. Teimoso, o "escritor".
No Rio de Janeiro, quando lancei um livro do hoje ministro da Defesa, Celso Amorim (Conversas com jovens diplomatas"), quem estava lá, na sessão de autógrafos? Raphael Montes. Queria ver o lançamento de perto, sentir, cheirar, estar com as pessoas que faziam tudo acontecer. E a conversa boa atravessou um jantar e foi parar alta madrugada na casa de seus pais, em Copacabana, onde ele nos apresentou a coleção completa das obras de Conan Doyle que é o orgulho da biblioteca em seu quarto. Depois foi abrir a adega de cachaças do pai - um colecionador do destilado, que felizmente dormia.
Raphael Montes não deixou de ser garoto. Enquanto Suicidas entrava na gráfica, ele estava na Disneylândia, fazendo poses ao lado do Mickey e do castelo da Cinderela, postados no Facebook. Ontem, em uma Saraiva do Rio de Janeiro, foi sua vez de estar sentado à mesa autografando seu romance. Estavam lá amigos, professores desde o jardim da infância, membros do Clube da Cachaça, colegas do karaokê, mestres de Direito e uma porção de gente que comprou o livro e, para sua surpresa, ele nem conhecia.
Ontem, afinal, Raphael Montes se tornou um escritor de verdade. Disse ele no Facebook que foi a melhor noite de sua vida. Espero que tenha muito disso pela frente. E que não largue seu novo emprego. Ainda.
Nossa, relato perfeito!!! Emocionante e verdadeiro. Estamos todos amigos e parentes torcendo para que esse escritor cresça e aconteça!
ResponderExcluirVeronica Hartmann
Ler essas coisas que você escreve no blog me dá mais estímulo para eu trabalhar o meu romance, que estará pronto em breve para eu participar do prêmio Benvira. Estou muito entusiasmado. Quem sabe voce ainda nao irá falar sobre ele neste blog. Graças a voce, julgo ser possível. um abraço.
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