O que muda - e o que vai melhorar
Os catastrofistas gostam de achar que a decadência dos jornais pelo mundo será o fim da imprensa. Assim como muitos apontam que a era digital nunca substituirá o livro. Em geral, os catastrofistas acertam apenas quanto a si mesmos. É preciso pensar o que a era digital pode trazer de bom para a imprensa e o livro. Ela pode.
Daqui a alguns anos, o jornal em papel certamente será lembrado como um anacronismo igual ao que é hoje a velha máquina de escrever. O custo de esperar a árvore crescer para fazer o papel, industrializá-lo, imprimi-lo e distribui-lo é incomparavelmente maior que o do meio eletrônico. É a única razão pela qual o jornal desaparecerá e isso não está longe, já que a internet tem agora um alcance suficiente para cobrir os leitores que antes só tinham acesso à imprensa da maneira convencional, em bancas ou assinaturas.
Quando quebraram as mãos do jornalista Antonio Maria por conta do que escrevia, ele disse: “Tolos, pensam que a gente escreve com as mãos”. O mesmo se pode dizer da imprensa. São tolos os que pensam que a imprensa se faz com o papel. Não importa o meio onde ela se propaga, mas os seus princípios: informação com credibilidade, facilidade de acesso, defesa da liberdade de expressão e de opinião. A internet traz também vantagens nessa área. Permite atualização constante e consulta permanente ao que já foi publicado.
Se os veículos de imprensa hoje estão em dificuldades, é porque estão em sua fase de transição – enquanto entram na era digital, ainda têm de carregar o velho negócio em papel. Em vez de investir no novo, precisam empregar esforços em sustentar o decadente. É difícil a decisão de simplesmente acabar com o jornal impresso e ficar só na internet. A sensação é de diluição no mar virtual. Porém, quem tem um serviço de qualidade, e uma marca de prestígio, tem mais chances de consolidação no mercado de informação virtual.
O mesmo deve acontecer com o livro. Já tive a oportunidade de manusear o Kindle, o livro eletrônico da Amazon, o mais conhecido do gênero. Ele ainda é caro (cerca de 700 dólares nos Estados Unidos), ainda não há uma plataforma para produzi-lo com obras em português, e não sabemos se as pessoas comprarão um aparelho exclusivamente para ler livros ou jornais. Ele tem, porém, uma série de vantagens incomparáveis sobre o livro convencional.
Para começar, ao contrário do que dizem os preconceituosos, ele é mais amigável . Como um palmtop um pouco maior, pode ser segurado com uma única mão, ao contrário do livro, que a gente tem de abrir – e por vezes administrar as duas partes, que tendem a fechar-se novamente. É possível fazer marcações no texto. E, sobretudo, ali cabe uma biblioteca inteira. Assim, você pode ir para a praia levando não apenas o livro da vez, como toda sua biblioteca. E ler ainda o jornal do dia.
Assim como no caso dos jornais, o livro eletrônico elimina enormes custos de produção e armazenagem de volumes impressos. Mesmo o custo do aparelho é relativo: basta pensar que sai muito mais barato do que comprar uma biblioteca de 3.000 livros, sua capacidade de instalação. Com a erradicação dos custos de papel, impressão e estocagem, o livro novo pode ser barateado, e muito. Isso com certeza difundirá a leitura ainda mais, já que o principal impedimento da expansão do mercado, sobretudo no Brasil, é o preço.
Claro, há dúvidas. Uma ameaça é a pirataria. Se as editoras e autores forem atropelados pelos piratas, com a distribuição gratuita das obras, não haverá muito mais gente disposta a escrever, produzir e divulgar livros. Os direitos autorais não podem ser reduzidos, mesmo em face da queda no preço unitário do livro, sob a mesma pena de eliminar o seu produtor. Isso já tem acontecido na música com a troca do CD pelo Ipod.
Pode ser que a literatura, assim como a música, deixem de ser atividades profissionais, para se tornarem novamente produto do diletantismo de pessoas que fazem outras coisas na vida e escrevem, compõem ou tocam como uma atividade secundária, por prazer ou necessidade pessoal. Se isso acontecer, teríamos um grande retrocesso. Cabe aos cérebros digitais estudar como evitar melhor a pirataria e o desmanche de uma indústria fundamental para a educação e o entretenimento.
Não importa o veículo onde se coloque a imprensa e a arte; ambas são uma necessidade da sociedade e do indivíduo; por isso, sempre existirão. A profissionalização de ambas é que garante sua qualidade e por isso deve ser respeitada e incentivada, em vez de destruída. A boa imprensa e o bom livro são indispensáveis e parte da vida contemporânea, contraponto do barbarismo das civilizações antigas que perseguiam iconoclastas e queimavam livros para manter o povo na obscuridade.
A era digital tem, acima de tudo, essa virtude: o acesso a tudo, por qualquer um, em qualquer tempo. É um enorme passo para um futuro melhor.
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