sábado, 23 de outubro de 2021

Micro histórias de um ex- diretor de Playboy


O agente dela não quer fotos de nu frontal.

- Tudo bem. A perereca dela é cinza, parece que no meio tem um charuto apagado.


*

- Você veio tão sem roupa. Não está com frio?

- Periguete não tem frio.


*

O que você quer?

- Como assim?

- O que você quer? Pode ser qualquer coisa .

- Não é  isso, não.

- Então você me  paga e eu te dou dinheiro de volta. 

- Apaga tudo aí. Vamos começar essa conversa de novo.


*

- Tua mulher não se importa?

- o se preocupe. Ela diz que não tem ciúme. Só ódio mortal.


*

- Eu sou doula. Ajudo mulheres no parto. Não aguento mais ver b...

- Eu também. Sou diretor da Playboy.


*

Mulher:

- Falei com um sujeito que trabalhou em Playboy.

 - E?

- Ele disse que comentam lá que você é o único diretor de Playboy que não comeu ninguém.

- E você não me defendeu?

*


- Vai tomar nessa capa.

(Por e-mail)


*

Mulher:

- Às vezes você é um lobo em pele de cordeiro. E às vezes é um cordeiro em pele de lobo.


*

Mulher:

- Você é terrível.

(Depois de um tempo).

- Por que eu sou terrível?

- Não lembro.


*


Além da memória a 3 Vozes

Uma noite esplendorosa, em 1 de outubro, fechou com chave doirada (para soar mais português) dias tão intensos quanto especiais. E veio à luz de forma completa, para mim surpreendente, o espetáculo Além da Memória - a Três Vozes.

Obrigado à voz da música e da sabedoria, Enóe Ferrão, de quem partiu a iniciativa e a concepção do espetáculo, casando trechos selecionados do meu poema Além da Memória com Beethoven, Tom Jobim, Satie, Piazzola e outros compositores tão diferentes quanto grandes - e que ela executa igualmente, como virtuose que é.

Obrigado a Mariya Viktorivna, que foi minha própria voz, emprestando seu talento interpretativo, seu carisma e graça às minhas mal rabiscadas palavras. E generosa e profundamente assim prestou-se ao vulcânico papel de ser eu.

Obrigado ainda ao Paulo Morin e Sônia Soares, que nos deram precioso suporte, tanto na crítica construtiva, desde os primeiros ensaios, até a efetiva organização e divulgação do espetáculo.

Obrigado à Casa das Artes da cidade do Porto, elegante e inspirador espaço artístico, com seus colaboradores de mente aberta e espírito sempre cooperativo - desde sua diretora, dona Fernanda, a toda a equipe, como o amável e competente Jorge, no som e luz, e Telma, da logística indispensável.

Obrigado aos alunos de Enóe, que vieram assistir, aprender, trabalhar. E especialmente a todos que nos honraram com sua presença e tornaram essa noite calorosa e inesquecível, como este país que tão afetuosamente nos acolheu.

@Enóe Ferrão @maryiaviktorivna @paulomorin @paulosoares @casa_das_artes_do_porto @fernanda  @EDITORAS.COM 

Paris de volta à vida

Paris está voltando da pandemia, com gente à vontade nas ruas, embora ainda se apliquem restrições de máscara e certificado anti-covid em museus e outros estabelecimentos fechados. Porém,  o país mantém o orgulho e a força econômica. Muitas lojas não apagam suas luzes mesmo de noite, quando fechada, e a cidade hoje volta a ter aquele brilho que é exemplo do que a liberdade é capaz de fazer.

Sim, porque apesar da onda conservadora que avançou nos últimos tempos, como no resto do mundo, o esplendor da França,  que se vê nos cafés,  nos mercados,  na rua, vem da aplicação prática da sua fidelidade aos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade - a palavra com que os franceses definem a tolerância, colocada como fundamento da democracia.

A França passou pelo terrorismo e estresse da sociedade global digital, mas sua base continua em pé. Foi a promoção do cidadão, com o desenvolvimento da educação e da cultura, forças basilares da sociedade e do Estado francês, que transformou o país numa grande potência - não apenas econômica como civilizacional.

Desde que decidiram deixar para trás os déspotas de todos os naipes, e buscaram implantar justiça social, os franceses mostraram que a cultura, a começar pelas ideias que fazem revoluções, é o maior patrimônio de um país  - e uma riqueza que nem as epidemias podem abalar.

#thalesguaracy #aeradaintolerancia #covid #pandemia #paris
#tulherias

Para as nações, a conta também chega depois


É meia noite quando desembarco no aeroporto de Beauvois Tilly, a uma hora de carro de Paris, vindo da cidade do Porto, em Portugal. Fiz exame de Covid e assinei a “declaração de honra” de não estar doente, exigida pelas autoridades francesas até a semana passada, e chega a ser desapontador não ver ninguém nos guichês da fronteira. Não pedem nem documento, quanto mais atestado de vacinação.

Em Paris, onde as lojas continuam de luzes acesas mesmo de madrugada, quando estão fechadas, todos andam na rua sem máscara. Vou ao Au Petit Fer à Cheval, birosquinha do Marais que para mim é tradição na cidade, pois sempre passei ali grande momentos, e o amigo que fez a reserva esqueceu em casa o celular e com ele seu certificado sanitário. Pergunta se pode entrar o restaurante sem isso. “Sem problemas, monsieur”, ele ouve.

No Porto, sexta-feira, o espetáculo de música e poesia que fiz com a pianista Enóe Ferrão e a atriz Mariya Viktorivna na Casa das Artes foi o primeiro do ano que podia ter lotação completa – desde o ano passado, havia o limite de 50% das cadeiras.

A Europa, em resumo, vai voltando ao normal. As sequelas da pandemia, apesar das mortes, não foram assim tão grandes, agora que a pandemia mostra-se sob controle. Pelo menos na economia e na vida que se retoma.

Passo em frente à Shakespeare & Co, livraria de livros em língua inglesa, famosa pelos escritores que buscavam nela um pouco da própria casa em Paris, e que diziam ter sido fechada na pandemia. Está aberta. Assim como o café que acabou virando seu filhote, na esquina da pequena praça em frente à catedral de Notre Dame, do outro lado do rio. E há já fila de gente na entrada da loja.

A vida está voltando ao normal para quem fez as coisas mais bem feitas, lá atrás, quando isso se mostrou necessário. Para quem virou a cara para o outro lado, e até hoje não admite a gravidade da pandemia, o problema continua.

Às vezes, decisões erradas que tomamos parecem não ter maiores consequências. Mas para as nações, assim como as pessoas, a conta sempre chega, depois. E quem tomou as piores decisões, paga mais caro.

Enquanto a vida se normaliza, e a economia começa a voar de novo no mundo mais organizado, estamos nós no Brasil às voltas com os mesmos problemas.

Seria o caso de aprender com a experiência alheia. Não só na Covid, como na economia. Na Argentina, depois do socialismo pampeiro dos Kirchner, e do liberalismo de Macri, voltou-se ao kirchnerismo, com os mesmos resultados.

Em vez de irmos para a frente, continuamos presos aos nossos erros e a fórmulas do passado. Não negamos apenas a ciência, negamos a realidade, com medo de enfrentá-la também com realismo. Por que?

Ignoramos o aprendizado dos outros e não existe de fato um plano para o Brasil. Resultado, o país luta ainda para sair do ciclo pandêmico, enquanto o mundo já olha para a frente.  É de se perguntar que futuro nos espera.

"Voglio piangere!"

- Voglio piangere! - diz a italiana, em cima da ponte Solférino, chorosa, dramática.
- Per ché?
- Perché no lo ho trovato...
Aqui nas grades da ponte, os amantes de Paris por anos a fio puseram seus cadeados e atiraram a chave ao rio, símbolo de amor eterno. A italiana volta e chora, ao não encontrar o seu, perdido entre tantos outros ou, pior, perdido para sempre.
A prefeitura resolveu tirar tudo, porque as grades estavam apodrecendo e caindo, houve protestos, e o que sobrou dos cadeados ficou.
Quem aqui passou com seu amor procura pelo cadeado deixado no passado. Seja pelo amor que ainda perdura, seja por outros, que acabaram, sempre recordação.
Ainda há muitos cadeados na ponte, mas bem os cadeados são eternos. O que não muda é o amor, e o que Paris foi feita para os amantes, cidade das artes em que o amor, matéria prima do artista, flui como o rio sob a ponte.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Em águas de bacalhau

 - ... Então ficamos em águas de bacalhau - diz Maryia,  enquanto dirige o pequeno Peugeot rumo ao Porto, onde vamos ensaiar o espetáculo com música ao piano por Enoé Ferrão, poesia minha e ela, Mariya, como minha intérprete.

Dou risada.

- Que foi? - pergunta ela, surpresa. - Nunca ouviu?

Explica então que, como o bacalhau fica longo tempo na água, para dessalgar, os portugueses usam essa expressão quando tudo anda meio parado.

- Ah.

É um prazer estar entre os portugueses, não somente pelas cidades tranquilas, os cenários espetaculares, o valor que dão à cultura, e como sou recebido em toda parte, com gentileza e admiração pelo que faço. 

Portugal está também nessa mentalidade, que está nas expressões, impregnada nas grandes e pequenas coisas, que vão se mostrando no dia a dia. 

Mesmo em Lisboa, capital do país, há algo de cidade do interior, como temos ainda no Brasil. Nada de correria e pressão. Há um clima de civilidade e sanidade no ar, que nem a pandemia do coronavírus abalou. 

Às vezes é irritante pegar senha da fila no banco, ou ouvir do funcionário que, simplesmente, não dá. É preciso ainda mostrar vacinação e circular de máscara para entrar em ambientes fechados, mesmo em restaurantes, onde se tem de tirar a máscara de qualquer modo, para comer. Porém, há algo de mais saudável na forma como o português lida com tudo isso.

Os portugueses não estão muito interessados na vida corrida contemporânea, nem em queimar etapas. As coisas aqui ainda passam pelas pessoas. 

Há filas nas lojas do cidadão, onde se tiram documentos e o CPF português, com o qual se pode alugar um apartamento ou abrir uma conta bancária. A burocracia é pouca, mas estrita. 

Não interessa se você acha o processo injusto ou desnecessário. Geralmente ele dá emprego a alguém e não há um espírito competitivo demais nem interesse para eliminar a presença humana das suas tarefas tradicionais.

As pessoas se cumprimentam e não estão com pressa para nada. Há lojas que fecham para o almoço e deixam aquela placa na porta com o horário da volta. 

Na Casa das Artes, onde faremos o espetáculo, a pessoa que cuida da divulgação teve um AVC e ninguém mais além dela tem o mailing de divulgação da instituição. Ninguém parece também preocupado em resolver isto antes de saber o que acontecerá com o funcionário.

Ouvi o relato segundo o qual a dona de um teatro, ao fazer uma turnê, fechou o estabelecimento, como se um teatro pudesse entrar em férias, junto com o dono. Coisas impensáveis, talvez, em outro lugar.

Em contrapartida, esse mundo menos exigente com o tempo e tolerante com o que hoje achamos serem falhas tem uma contrapartida. Há cuidado e respeito em tudo e todo mundo é gentil, mesmo na rua. 

Há tempo para tudo. Incluindo sentar, conversar com o dono da padaria, ou sentar no anfiteatro ao ar livre de Gaia, onde as pessoas ouvem música, veem o por do sol, namoram e apreciam um dos mais espetaculares cenários do planeta - o Douro lá embaixo, rumando para o mar entre as escarpas escaladas pela cidade do Porto.

Esse espírito está em todas as coisas e se exige mesmo de quem acabou de chegar ali, com espíritos outros. O jornalista Paulo Markun, colega, amigo e que foi meu autor, conta que tentou passar afoitamente por uma senhora na rua e tomou uma lição.

- Quer licença? - perguntou ela.

- Sim.

- Então peça!

Penso nisso ao entrar num restaurante vazio, em contraste com as ruas sempre apinhadas de gente, principalmente nas mesas dos bares e restaurantes das calçadas, sempre cheias de música e alguns pedintes tão educados que dá vontade de pedir dinheiro também a eles.

- Boa noite! - diz o atendente, com um sorriso, possivelmente, sob a máscara anti-Covid.

O jantar: vitelo assado ao vinho, com batatas no bafo, vinho da casa e, de sobremesa, doce da casa - bem ao gosto de infância, um creme com raspinhas de bolacha maizena, tradicional no país.

No final, pago a conta e o rapaz pergunta se a comida estava boa. Ao ouvir os elogios, se despede.

- Então ainda é uma boa noite!

Viu?

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O amor é doce


 Agora eu quero escrever de amor.


Porque eu estou em Lisboa e peço arroz doce. E vem aquele arroz doce que eu comia na infância,  feito pela minha mãe, Marlene. E que eu comia na casa da minha avó paterna, Eugênia, que ensinou a minha mãe,  para ela fazer para o filho dela, o meu pai, Alípio.

Amor.

Esse doce tem gosto da minha infância, das pessoas que eu amo, do mundo de onde eu venho, ou para onde volto.

De um amor que está em cada detalhe, no sabor, até na caravela desenhada em canela, tão portuguesa quanto o doce, tão doce quanto a infância, minha e do Brasil.

Como eu disse, é amor.

#thalesguaracy #lisboa #portugal