quinta-feira, 8 de abril de 2021

Um livro e a ressurreição

Páscoa, dia da ressurreição, vou à estante e abro pela primeira vez o exemplar de O homem que falava com Deus, que dei a minha mãe, e acabou voltando para mim com outros de seus livros, quando ela morreu - doze anos atrás.

Ela nunca me falou sobre o livro, exceto no fim, quando estava no hospital. Vejo agora que o texto está cheio de marcas, onde ela, que era professora e me ensinou a ler e escrever, como sempre, assinalou imperdoavelmente tudo o que não achou bom ou estava errado.

E deixou também marcas em algumas coisas de que gostava. Releio a dedicatória que lhe fiz e este livro, hoje, é meu presente de Páscoa.


Romance histórico ou livro de história?



Para mim,  escrever livros de história e romances históricos são ambos válidos e desempenham função semelhante. Escrevo ambos. A escolha de uma forma ou outra depende de onde está o foco do que quero contar.

No romance, o foco é mais no indívíduo, com suas ideias e paixões - essas coisas que podem mudar o mundo, isto é, que fazem a história. Mas isso requer muitas vezes uma investigação mais subjetiva ou subjacente aos fatos.

Já nos livros de história, os fatos ganham mais relevo e dependem de objetividade. Porém, a informação detalhada e o enredo procuram fazer a época se tornar tridimensional, portanto mais perto da realidade. E um bom enredo pode provocar uma leitura compulsiva como a de um romance.

O romance não prejudica nem exclui o rigor histórico. Em Anita, não há nenhum fato conhecido da história que é distorcido ou contrariado. A ficção entra nos lugares onde não há registro e corrobora a história. Dá nuances que, embora criados pela imaginação, parecem fazer tanto sentido que ao fim o leitor não verá outra história possível de Anita Garibaldi que não seja essa.

Nos meus romances históricos, a história pode ser mais pano de fundo, como em Filhos da Terra, que fala sobre a imigração italiana no Brasil, com personagens reais, embora tenham nomes trocados e ganhem pinceladas da ficção. Podem também tratar de personagens históricos reais, como Anita Garibaldi (Anita), ou Prestes, Lampião, Padre Cícero, Rondon e outros (Amor e Tempestade). Nesse caso, os personagens reais devem parecer reais, mesmo na recriação literária, e nada pode ferir o fato histórico.

Não é um trabalho fácil. Tanto no romance como no livro de história, a missão é mergulhar o leitor naquilo que pode estar mais próximo da verdade, seja ela objetiva, seja a subjetiva. Tentamos dar à história toda a dimensão humana.

A história é feita por pessoas, com motivações que às vezes fogem à nossa compreensão. Desvendar a história que não conhecemos da história é uma grande arte, cuja perfeição sempre está mais ali adiante.

#thalesguaracy
#romancehistorico
#livrosdehistoria
##anitaoromance
#amoretempestade
#aconquistadobrasil

 


 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Curare: dos tupinambás para os hospitais no Covid-19


Conta o meu médico, Virgílio Pereira, que no Einstein, hospital onde trabalha, utiliza-se o curare - um paralisante muscular - nos pacientes intubados de Covid-19, para evitar que rejeitem o equipamento, fisicamente intrusivo. Com isso, os pacientes não precisam ser amarrados, solução considerada agressiva ou desumana por muitos, como acontece em hospitais com menos recursos ou recursos esgotados.

Com isso, ganha um uso bem contemporâneo algo que já era conhecido pelos tupinambás quando no Brasil chegaram os europeus, tanto na caça quanto na guerra. Embido em flechas e lanças, o curare paralisava e deixava à mercê a presa e o inimigo, como vai contado em A Conquista do Brasil (1500-1600), hoje em sua quinta edição.

Mais um caso em que o passado se faz presente, parte porém de uma outra guerra, e dessa vez como instrumento da medicina. 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

O romance para os 200 anos de Anita Garibaldi

 Este ano, completam-se 200 anos do nascimento de Anita Garibaldi, a grande heroína brasileira, feminista antes do feminismo, mãe, mulher, guerreira e paladina da liberdade. 


Personagem dos mais admiráveis da história, de fazer inveja ao próprio Garibaldi, César ou Napoleão, no Brasil pouca gente a conhece, ou sabe realmente quem foi. 

Essa é uma das razões pelas quais escrevi esta biografia romanceada, publicada pela editora Record. Faltam ainda filmes, séries e documentários sobre ela. Eis a grande oportunidade.

@tguaracy
@eumaiteproenca
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@fabiobuccia

terça-feira, 30 de março de 2021

O homem que não entendia o amor


Contardo Calligaris era um um pensador interessante, versátil e muito popular. Levou as preocupações que fizeram dele um psicanalista a um grande público, seja por artigos em jornal, uma excelente série de streaming (Psi) e mesmo o romance. 

Ironia das ironias, o seu "O Conto do amor", publicado pela Companhia das Letras, revela que o homem que estudou o ser humano boa parte da sua vida não sabia o que era o amor - ou, ao menos, não o achava possível, como sugere o próprio título do livro. Calligaris vivia sozinho, mas fez dessa busca pelo amor, como condição necessária para a felicidade, seu interesse maior - e, assim, sua vocação.


Procuramos aquilo de que mais precisamos - e ele tentava ajudar os outros naquilo que não via para si. Morreu de câncer, aos 72 anos, e me deixa a impressão de uma vida plena, ao menos para quem acredita que a vida é sempre uma busca, na qual jamais alcançamos a plena realização.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Poesia e o fígado de bacalhau


 “Como está poético, você!”, me dizem. Na verdade, estive poético - no pretérito. Todos os poemas que andei postando aqui já estavam escritos e publicados. Mas, pra quem não leu, é novidade.

O que escrevemos no calor da hora, geralmente, ficou para trás. É um fotografia antiga. 

Quando publicamos o que escrevemos, muitas vezes, não é para celebrar o presente. Muito ao contrário. Reflete o passado. Frequentemente usamos isso para fechar uma porta. 

Poesia não é diferente. Como toda literatura, conserva a vida, as ideias, sentimentos. Mas também funciona para tirar algumas coisas de dentro da gente, bota aquilo para fora, que fica separado. Forma de despedida, que enterra ao desenterrar. 

Publicar poesia lembra o tempo em que ela existia. Quando essa alegria não existe mais, colocar fora é uma forma de resolver, fazer as pazes com a gente mesmo, esquecer. Se está ali, escrito, não precisamos mais lembrar, nem sentir. Ao entregar a poesia ao mundo, tirando sentimentos de dentro de nós mesmos, fazemos um rito de passagem. Traz alívio.

Fazer poesia é tomar mel. Publicar poesia, como último capítulo de uma história que passou, é óleo de fígado de bacalhau. Tem gosto ruim, mas faz bem pra saúde. 

Com sorte, deixa algo também para os outros e mantém os bons sentimentos num bom lugar. Onde talvez, um dia, alguém ainda vá aproveitar, ou, olhando para trás, já anestesiados pela distância, tenhamos saudade.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Pelé, Osmar Santos e o amor


Vejo o doc sobre Pelé no Netflix: bem editado, emocionante. O que mais chama minha atenção, porém, é Pelé de cadeira de rodas, com as pernas atrofiadas, recebendo os amigos.

Penso nas crueldades de Deus, ou do destino, como preferirem. Foi assim com o locutor Osmar Santos, que, num acidente de carro, perdeu, justamente, a fala.

Há muitos casos. Agora há Pelé. Pelé, sem suas pernas.

Penso na Bíblia, livro de Jó. O homem que é em tudo obediente e tem como pago a ingratidão de Deus. E se pergunta: por que?

Não há resposta, creio. Ou, se há, é que sentimos mais por perder o que nos é mais caro e fizemos por merecer. Como o amor. Quem mais se dedica ao amor é aquele que mais perde, porque é justamente quem se dedica. E quando perde nem cabe perguntar por que.

A vida não é merecimento, nem reconhecimento. E só perde aquele que tem algo. É esse algo que deve ser lembrado, é o que importa, ainda que seja tirado: as pernas de Pelé, a voz de Osmar, o amor.