quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Escrevendo sobre tudo

Escritores podem e gostam de viver bem: quem não tem uma vida interessante certamente sabe menos e tem menos histórias a contar. O jornalismo me permitiu conhecer gente importante e interessante e me permitiu experimentar e ver coisas e lugares aos quais a maioria das pessoas não tem acesso, ou tem acesso somente quando tem muito dinheiro. Dirigir e escrever para revistas de estilo de vida, o que faço desde muito cedo, me permitiu falar com certa propriedade a respeito de tudo. Carros, bebidas, charutos, viagem, vinho, gastronomia, arte... Não há praticamente nada que eu não tenha estudado ou me interessado para poder escrever.

Há alguns anos, a jornalista Dulce Pickersgill tocava na Editora Abril a Revista A, magazine dedicado ao alto luxo, voltado para os super-ricos, tendo como modelo a americana Robb Report. Impossível fazer reportagens in loco sobre tudo sobre o que a publicação discorria: seria a revista também mais cara do mundo. Dulce precisava de alguém já com bagagem, que lhe poupasse algumas despesas. Mais  que isso, precisava de alguém que falasse de um tema como carros, por exemplo, não como um técnico, ou um vendedor - e sim como alguém que entendia o espírito de possuir um carro de luxo e se interessava pelo que ele significava.

Daí... Eu.

Escrevi sobre marcas consagradas, mas não só isso. Quando algo parecia interessante, mesmo não tendo uma história por trás, não deixava de se criar o mito. Foi o caso do Spada TS, um carro do qual eu nunca tinha ouvido falar. (E possivelmente jamais ouviremos falar dele outra vez). Não importava que não tinha tradição. A revista a iniciaria. Comecei pelo título: "Nasce uma lenda".

Deu tão certo que logo Dulce quis me entregar outros assuntos da revista. Para não dar na vista que eu escrevia um bom pedaço dela, inventamos um pseudônimo: Yuri Vidal. Esse cara também era extremamente versátil. Juntos, eu e meu alter ego escrevemos sobre motocicletas, barcos, charutos, cachaça e até submarinos. Quando fui digitalizar as páginas de revista que guardei, apenas uma amostra de tudo, eu mesmo fiquei impressionado com a variedade de temas.

Na realidade, isso somente foi possível por uma razão. Eu jamais escrevi sobre carros, charutos comida. Não, exatamente. Por trás de cada objeto, ou mesmo de uma marca, ha uma ideia, um criador, uma história. Eu olho sempre para a vida. Todas essas reportagens, se tratam de assuntos específicos, falam na verdade da experiência humana, da civilização, o prazer de viver e de como desfrutar o que há de melhor.

































































quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O fim da Playboy na Editora Abril, a internet e as pinups do futuro

A Editora Abril acabou de anunciar o fim da revista Playboy, uma história de 40 anos, parte do processo que vai reduzindo a maior editora brasileira de revistas a uma realidade bem menor.

É possível que o título reapareça em papel ou digitalmente por uma outra editora, mas o certo é que nada será como antes, já que a própria Playboy americana anunciou que deixará de publicar o nu feminino. E que irá se concentrar na parte antes menos notória, mas de igual qualidade da publicação, que são as reportagens, entrevistas e o serviço de estilo de vida.

Com a enorme oferta de material pornográfico na internet, de fácil acesso, e muito mais variado, deixou de ser atrativa uma publicação presa a uma certa fórmula, que dependia do papel, da circulação física e das receitas de publicidade.

Com dificuldades financeiras, passou a ser mais difícil contratar as mulheres célebres que fizeram a história da publicação - e ficaram na memória de tantos meninos que cresceram tendo a revista como ícone do ideal masculino. Playboy era uma espécie de instituição onde se experimentava tudo do bom e do melhor. E para a qual não havia mulher impossível.

Playboy sempre foi a publicação que trazia aquilo que todo menino queria ver. Só que hoje nada mais é igual: as mulheres, os meninos e as publicações. Por sua fórmula, que proibia qualquer tipo de situação que sugeria sexo ou alguma forma de abuso da mulher, Playboy foi se tornando um tanto inocente para os dias de hoje, em que esse tipo de pornografia hoje parece quase infantil diante de tudo o que se encontra com facilidade no ambiente virtual - do sexo explícito ao sadismo e a escatologia.

As mulheres que saíram em Playboy, possivelmente, serão para os garotos do futuro o que as antigas pinups foram para os adultos de hoje: um erotismo um tanto primário, mas que guarda certa beleza e sedução, como um retrato vintage de seu tempo.

Para diversas gerações, ver uma mulher nua era literalmente ilegal e proibido. No passado, havia um certo esforço para conseguir a revista antes da maioridade. Era preciso contar com o irmão mais velho ou um jornaleiro conivente. Playboy se escondia da mãe (e do pai) debaixo da cama ou algum lugar secreto.

Era um objeto de desejo, de curiosidade, que levava a beleza e as formas da mulher a um mundo de mistério, de alumbramento, de adoração. Por isso, ao contrário do que poderia parecer, valorizava as mulheres, em vez de vulgarizá-las.

Esse sentimento, que começava para os garotos na adolescência, era levado para a vida adulta, assim como a fidelidade à publicação.

Não conheci ainda uma mulher que não gostasse de se sentir desejada. Esse era o efeito de Playboy: fazer a mulher entrar numa galeria histórica que será lembrada através dos tempos, congelando sua beleza no verdadeiro auge.

Isso ainda poderia continuar, mesmo com menos dinheiro. Foi isso o que defendi ao reduzir dramaticamente o cachê pago às mulheres de Playboy, sem perder a qualidade e o encantamento da produção, quando tive a oportunidade de dirigir a revista, há 3 anos.

Procurei ainda trazer estrelas, mesmo com menos recursos, e conquistamos ótimos resultados, que garantiram a sobrevivência do título por pelo menos mais dois anos. Era a maior receita da Editora Abril na internet. E havia a possibilidade de expansão no terreno virtual.

Fizemos algumas capas dignas da história da revista, como a de Nanda Costa, então estrela da novela da TV Globo no horário nobre, maior venda da revista em três anos, desde Adriane Galisteu. Da atriz Antonia Fontenelle, despertando da viuvez célebre. Pietra Príncipe, a desbocada e provocadora loirinha da TV. Aline Franzoi, primeira evangélica a tirar a roupa para a revista. Mari Silvestre. Meyrielle Abrantes, ex do senador Jarbas Vasconcelos. E outras que mereceriam também aqui uma menção.

Quando entrei, não havia um único ensaio pronto. Quando saí, além do que já tinha ido para as bancas, deixei seis contratos assinados com mulheres que seriam publicadas nos meses subsequentes.

Porém, decidida a não continuar com títulos licenciados, a editora preferiu esvaziar o site e cortou à Playboy brasileira o caminho para o futuro. Foi aí que se deu minha saída. Com a morte de Roberto Civita, que me convidara para o cargo, mas faleceu numa cirurgia ao mesmo tempo em que eu assumia a direção da revista, entendi que eu era o único ali a defender a publicação e trabalhar para uma solução. A equipe que se seguiu, do jornalista Sérgio Xavier, conseguiu ainda conduzir a publicação com méritos e profissionalismo até o seu destino já traçado.

Vai-se Playboy na Editora Abril e toda uma era. Vira-se uma página importante da história da imprensa. Começa a ser revisto pela matriz o próprio conceito da Playboy como estilo de vida, que para muitos também já vai ficando fora de moda. O que foi feito, no entanto, será sempre um retrato da beleza em uma certa época, que tem os seus ícones, assim como a Vênus de Milo é a melhor lembrança da beleza feminina no helenismo, para nós, homens, e todos os admiradores do belo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O terror é a arma dos fracos

Dezenas de milhares de ingleses se vestiram com as cores da França para ver o jogo França e Inglaterra e cantaram sem errar a Marselhesa no clássico estádio de Wembley, em Londres. Um evento público impressionante, que não foi um jogo de futebol  e sim uma bela manifestação política. E um manifesto contra o medo. Um sinal coletivo comovente e histórico de que a sociedade não sucumbirá ao que desejam os terroristas que assassinaram 129 pessoas em bares e na casa de shows Bataclan, em Paris.

A França, em Londres
O terror é a arma dos fracos. Um único kamikaze ou um grupo armado pode transformar a vida cotidiana em uma paranoia infernal no mundo inteiro. Experimentei isso quando morei em Nova York, em 2005, pouco depois do atentado contra as torres gêmeas. Pessoas olhavam desconfiadas quando alguém com jeito de árabe entrava no metrô. Receava-se ir a lugares públicos. Uma garrafa largada em qualquer lugar fechava uma rua. O medo é a vitória do terror.

O terrorismo, no entanto, é seu próprio inimigo. Traz de volta nas pessoas o espírito coletivo. Une o mundo civilizado. Lembra a todos que cada um tem seu papel na busca pela paz. Faz de cada cidadão um vigilante contra a barbárie.

Poucos países do mundo podem se orgulhar de uma história tão ligada à liberdade, à igualdade à a fraternidade quanto a França, que fez desse tríptico seu lema histórico. O alvo dos ataques foi bem escolhido, se pretendia levantar o mundo contra o extremismo.

O atentado em Paris tem um lado irônico. A Cidade Luz e a França são alvo de terroristas justamente pela liberdade com que recebem estrangeiros e por sua humanidade. A França tem uma pesada conta social, para dar educação e saúde à população mais pobre, que forma hoje a periferia da capital. Ela é em boa parte feita de expatriados muçulmanos, que foram para lá na esperança de uma vida melhor.

Estamos na era da intolerância. Não se pode confundir o terrorismo extremista e bárbaro com o islamismo ou o mundo árabe. O radicalismo fundamentalista é coisa de uma minoria, talvez ainda menor que o extremismo de direita, por exemplo, na sociedade americana. E que já foi responsável por atentados igualmente execráveis, como a bomda de Oklahoma ou o assassinato dos irmãos Kennedy.

O que falta ao mundo livre, isso sim, é um melhor serviço de inteligência. Não se pode tolher a liberdade de ir e vir, e é preciso respeitar a privacidade e os direitos dos cidadãos. Porém, também é preciso monitorar melhor o risco de ataques como o ocorrido em Paris, e neutralizá-los antes que aconteçam. Quando um atirador entra num restaurante matando gente inocente, o serviço de inteligência já falhou.

O terror não se combate com exércitos, nem repressão, ou patrulhamento moral. É um crime como outro qualquer, que demanda prevenção.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A maior das lições

23:29 de 3 de novembro. Faz algum tempo que acabei o romance que será publicado ano que vem. Escrevo agora o livro mais difícil da minha vida. Nem sei se terei coragem de apresentá-lo um dia. Acabo esse trecho, abaixo. Não falta tanto para o fim. Escrevo na esperança de que tenha um fim. Mas receio que nunca acabe.

"Quando minha mãe morreu, meu filho tinha dois anos de vida. Eu olhava para ele como se olhasse para mim mesmo no começo de tudo. Meu filho estava aprendendo a viver. Andava sem dar a mão, aproximava-se de desconhecidos, avançava curioso sobre tudo. Descobria como o mundo é maravilhoso. Avaliava a importância de cada pessoa que conhecia, dentro do seu universo. (“Você é o meu vovô?”, perguntava repetidas vezes a meu pai). Via o sol, as estrelas. Experimentava, fantasiava. Certo dia, apanhei-o batendo com um tubo de cola na testa. Tentava colar nele mesmo a sua sombra.


É duro aprender a viver; mais duro ainda é aprender a viver com a morte. Pessoas que perderam cedo os pais ou outros entes queridos têm de fazê-lo também cedo. Não existe uma ordem natural para as coisas; o destino muitas vezes é tomado pelo acaso e só nos resta enfrentá-lo como ele vem.

É difícil encarar a morte enquanto estamos cheio de vida; ela não pode se tornar uma sombra, pois aquele que chora todos os dias, ou que teme o fim diariamente, morre um pouco também todos os dias. É preciso assimilar as piores tristezas e os fatos mais duros da existência e ainda assim manter a cabeça erguida, a dignidade e sobretudo a alegria.

Eu me encontrava nesse estágio do aprendizado; via a vida florescer, ao mesmo tempo em que tinha de aprender a conviver com a dor da grande perda. Era sorte, ser também pai; isso me ajudava a manter a coragem de seguir em frente, pois exigia uma motivação superior a qualquer tristeza.

Filhos são um bem do céu, não porque nos trazem felicidade, mas porque pedem de nós a felicidade. Não apenas dão alegria, como a exigem de nós. Por eles, todos os dias temos de sorrir, de brincar e esquecer nossos males. Crianças não nos dão tempo para a dor.

Ao mesmo tempo em que ensinamos os filhos, aprendemos com eles. Não é apenas pelas crianças que se deve seguir em frente, mas por nós mesmos, e pela criança que há dentro de nós. É na infância, a nossa e dos nossos filhos, ou dos que vêm depois, que está uma fonte permanente de felicidade. Por isso, aquele que não ri nem se alegra com as crianças está morrendo sem saber.

Aquele que aprendeu a viver com a morte talvez esteja mais preparado para aprender a morrer; cada etapa parece servir de antesala da próxima, cada degrau da sabedoria leva a outro. Provavelmente, quando não achamos um degrau, ou perdemos o pé, é porque não subimos direito o anterior."

domingo, 1 de novembro de 2015

O Corinthians nos dá esperança

Eu, mesmo sendo palmeirense, não posso deixar de registrar minha admiração pela forma como o Corinthians vai ganhando o campeonato brasileiro. Tranquilamente. O clube, e seu técnico, Tite, nos dão esperança. Mostram que existe competência no futebol brasileiro. E indicam como seria bom ter essa mesma competência na seleção.

Tite é um homem, no sentido legítimo da palavra. Não ficou reclamando quando perdeu dois de seus jogadores mais importantes - Sheik e Guerrero. Foi trabalhar. Armou um time bem organizado, e também de homens, que não tremem na hora da decisão.

Sem nenhum grande talento no elenco, Tite mostrou que um sistema de jogo consistente compensa a falta de craques. O Corinthians dá até a impressão de que Jadson, Renato Augusto e Elias são superjogadores. Não são. Porém, funcionam tão bem dentro de um time azeitado que parecem melhores do que são.

Tite foi o único técnico a não reclamar do calendário. É verdade que o Corinthians caiu cedo da Copa do Brasil e assim pôde jogar exclusivamente o brasileiro, mais concentrado e descansado na competição que outros concorrentes. Porém, Tite usou o desgaste do longo campeonato a seu favor. Mostrou que, quando o campeonato é desgastante, aquele que é mais regular, coerente e se preparou melhor prevalece no final.

O futebol avançou no aspecto técnico e parece que Tite melhorou do ano passado para este. Dizem que é porque ele fez um estágio na Europa. Bobagem. Tite usa truques de velho boleiro brasileiro. Nos treinos, por exemplo, obriga os jogadores a jogar sem caneleiras. Isso faz com que treinem sem fazer faltas pesadas.

Como consequência, o Corinthians, além de ter o maior número de pontos, a artilharia do campeonato e a defesa menos vazada, é também o time que tem menos cartões amarelos, faz menos faltas e mais rouba bolas. Isso é resultado do treinamento, em que ele força os seus jogadores a evitar o choque faltoso, indo somente na bola.

Ele é vaidoso, fala de um jeito meio rebuscado, o que coloca em dúvida até se é bem entendido pelos jogadores. Porém, é uma verdadeira liderança, que dá confiança à equipe, e respaldo para o que fazem. Por meio de uma formação competente, que depende menos de peças individuais, o conjunto tira um pouco o peso da responsabilidade de cada um - ou melhor, o distribui entre todos. Uma boa receita para a seleção brasileira, que encontra-se num período de entressafra, carente de craques, com a exceção de Neymar.

Muita gente já se pergunta por que Tite não está no lugar de Dunga na seleção. Com razão. Dunga perdeu a Copa América, mas não é por isso: a seleção não inspira confiança em ninguém e está longe de se recuperar da desmoralizante derrota de 7 a 1 para a Alemanha na última Copa. Isso se consegue não apenas com resultados. Depende também de um futebol categórico. Como aquele que o Corinthians vem jogando.

Tite já foi campeão mundial de clubes pelo Corinthians e ganhou os principais títulos nacionais como técnico. Dunga nunca ganhou nada como técnico. Como jogador, foi campeão mundial, é verdade. Porém, era o símbolo de uma era sem talento, a chamada "era Dunga". Capitão da equipe, ao levantar a taça, usou seu momento de glória para falar um palavrão. Uma vergonha nacional. Pode ser considerado um vencedor, pelo simples fato de estar onde está, mas não conquista respeito.

O técnico do Corinthians não tem experiência em seleções. Porém, é uma liderança melhor. No mínimo, tem mais educação.