segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A morte e a morte do seu Alvarino



Três meses atrás, era a informação, que teria vindo de uma tia da minha mulher:

- Seu Alvarino morreu.

Que tristeza sem tamanho. Perguntei de quê. De câncer, disseram.

Ninguém menos indicado para morrer de câncer. Quando penso no câncer, penso na vida contaminada das cidades, nas pessoas amarguradas ou estressadas, nos alimentos perniciosos e no ar mefítico das metrópoles. Todas essas coisas que, para mim, sem nenhuma confirmação médica, ocasionam essas disfunções celulares no ser humano. O seu Alvarino, não. Era um puro, de vida, de alma. Até na cara. Albino, tinha o cabelo e a cara brancos. Um anjo, e sábio, porque já estava meio velho.

Plantava. Tinha um viveiro de mudas, em São Bento do Sapucaí. Foi uma das primeiras pessoas que conheci na cidade, quando lá comprei um sítio, faz já 15 anos, ou mais. Uma alma boa. Uma vida boa. E câncer. Câncer! Aquilo me tirava qualquer confiança na vida.

Alvarino estava sempre entre suas plantas, chapelão na cabeça. Fala mansa. Andava com sua velha Caravan caindo aos pedaços sempre cheia de verde saindo pelas janelas, como se fosse o motorista de um grande vaso enferrujado. Vendeu para mim as plantas que coloquei no sítio com tanto carinho.

Certa vez, me deu uma porção de mudas de árvores.

- Os passarinhos estão vindo para a cidade porque já não tem muita árvore de fruta silvestre no campo - disse ele. Fiquei maravilhado em ver aquele homem com uma preocupação que já escapa ao ser humano corporativizado: os passarinhos. - Te dou de graça, se você plantar.

Paguei, fiz questão de pagar. E plantei. Amora. Pitanga. Pêssego. Um monte de coisa. Tudo para os passarinhos.

Certa vez, a meu pedido, Alvarino foi no meu sítio. Tirou pedras que as crianças tinham enterrado nos vértices de velhas jabuticabeiras. Limpou galhos e troncos do musgo parasita que as cobria. Devagar, com amor e atenção, como quem dá banho em uma criança.

- É preciso tirar sempre essas oportunistas - disse ele. E me alertou: - Deixa sempre também molhado em volta, um pingo, sempre. Jabuticabeira gosta de água.

E as árvores nunca foram tão bem. Naquele ano, deu jabuticaba como nunca. (Os passarinhos comeram mais do que eu).

Aceitei a morte do seu Alvarino como um desses fatos tristes da vida, que nos tira as melhores pessoas. A cidade já não seria a mesma, pensei. A vida já não seria a mesma.

E cerca de um mês depois, já dando aquilo como favas contadas, ao passar pela cidade, cruzei rapidamente com o velho viveiro. Com um rabo de olho, avistei mas não acreditei. Estava lá ele, seu Alvarino. Caminhando ali entre as plantas. No meio de uns empregados.

Primeiro, pisquei os olhos: achei que tinha me enganado. Depois, brequei o carro. Deixei-o encostado de qualquer jeito na calçada e voltei vinte metros, a pé. Entrei no viveiro. Feliz como nunca, diante daquela ressurreição.

- Seu Alvarino! Me disseram que o senhor tinha morrido!

Ele estava magro, de cara chupada, movimentos ainda mais lentos que os de sempre. Confirmou que tivera câncer. Passara maus bocados, num hospital de São José. Mas não tinha morrido, não. Estava vivo. E melhorando.

Foi um milagre: eu exultava. Conversei com ele um pouco, contei que tinha mudado para outro sítio, um pouco mais distante. Precisaria de mais plantas. Queria reflorestar a cabeceira da água. E disse que estava muito satisfeito pelo fato de ele estar ali. Fui embora revigorado.

Muito bem. Digo agora a que vem isto tudo. Hoje, abro o Facebook, três meses depois. E dou com a notícia: "Seu Alvarino morreu".

Pensei: Ah, não. De novo?

- Tem testemunha? - perguntei a minha mulher.

- Três pessoas diferentes já confirmaram.

É duro ter uma tristeza duas vezes. Duas mortes, da mesma pessoa, em tão pouco tempo.

Acho que sempre que passar ali, na estrada, na altura do viveiro, vou dar uma olhadinha. Só pra ter certeza. Ou na esperança de ver o amigo, vivo, de novo. Outro milagre. A morte e a morte do seu Alvarino ainda não me convenceram. O mundo precisa das pessoas boas. E isso devia ser mais forte que esses golpes do destino.

Só me conforta pensar que o Alvarino deixou muita vida por aí. Não só por seus filhos, mas pelo que fez pelos outros e pela natureza. Com aquele seu jeito sem pressa de viver, até mesmo de cobrar a conta, de quem não liga para o tempo. Existe muita coisa que ele literalmente plantou, ou ajudou a plantar. Com seus cabelos brancos, as mãos brancas, as botas sete-léguas, o chapelão de palha.

Essas sementes estão por aí. E, com o tempo, podemos colher.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Beleza interior

“Vem, disse ele, juntando minhas mãos como se me forçasse a uma prece. Desejei de repente sua boca nervosa que me mordiscava, e suas mãos que redesenhavam meu peito e me estrangulavam com meu próprio cabelo. Implorou algo em meu ouvido,algo em um idioma distante, tapando minha boca com seus dedos que borravam meu rosto de suor.”

O trecho acima, extraído da página 99 do romance Onça Preta (Benvirá), da jornalista, escritora e marchand Lucrecia Zappi, não vem de um romance erótico como Cinquenta Tons de Cinza e, apesar de ser uma obra de ficção escrita por uma mulher, não é exatamente um livro feminino. Relato sobre uma estudante de botânica que vai às terras silenciosas e de gente agreste da Chapada Diamantina, Onça Preta é uma viagem para o lugar que mais interessa aos homens: o interior das mulheres, feito de longos silêncios, de relações não resolvidas, de pensamentos dúbios, que constroem uma lógica aparentemente sem direção.

Com um mestrado em escrita criativa pela Universidade de Nova York, sob orientação de E. L. Doctorow, autor de Ragtime, Lucrecia trabalhou no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S.Paulo, e hoje mora em Nova York, onde trabalha em uma galeria de arte. Fala várias línguas, casou várias vezes, nasceu em Buenos Aires, mas foi criada em São Paulo, e estabeleceu estranhas raízes no sertão brasileiro. Onça Preta é uma mistura disso tudo, resultado das divagações de uma mulher de nacionalidades múltiplas, em dúvida sobre o passado, envolta pelo presente e suscetível a um futuro em aberto.

É um romance de artista, não apenas no texto cheio de meandros, capazes de lançar luzes sobre o que os homens custam a entender, como nas ilustrações, feitas pela própria autora, que vai pespontando seu texto com imagens supostamente feitas pela personagem em seus cadernos – assim como um Post, um Eckhout ou um Darwin fora de época, a Beatriz, que é o alterego de Lucrecia, registra cenários, insetos, plantas e outros detalhes sutis da história. Incesto, mistério, diálogos secos, rumos nebulosos e um desfecho insólito traduzem o desafio humano: conviver com nós mesmos e entender os outros, sem julgamento e, talvez, sem esperança. (publicado originalmente na PLAYBOY de outubro)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Em Frankfurt, o Brasil é o velho Brasil de sempre


A homenagem da feira de Frankfurt não significa muito. A esmagadora maioria das pessoas que vão à feira para fazer negócios nem sequer passa pela ala do pavilhão onde está a exposição do país homenageado. A maior parte do público fica sabendo que há um país homenageado somente quando come hotdogs no pátio central entre os oito enormes pavilhões, na hora do almoço. É lá que acontecem os shows, em geral meio naives, dos países convidados. 

Recentemente, tivemos a Argentina, que teve como destaque uma enorme foto de Maradona, e a Islândia, um país de cuja existência pouca gente se dá conta. No ano passado, foi a Nova Zelândia. No palco diante da plateia que fazia a digestão ao sol que combatia o ar gelado, havia um grupo de indígenas maoris que, com seus atabaques, ilustravam o slogan do país - o lugar "onde se trabalha enquanto vocês (todos nós do resto do planeta que não vive no meio do Oceano Pacífico) dormem".

Frankfurt é uma feira de vocação comercial, e não uma festa literária como a de Paraty, mas de todo modo poderia ser aproveitada para fazermos algo que seria muito importante para a cultura brasileira: vender mais os nossos autores no exterior. A rigor, existem somente dois autores brasileiros que se tornaram autores internacionais. Um deles é Jorge Amado, publicado em diversos países, graças a uma rede de amigos comunistas, construída por ele quando ainda estava vivo, e que ajudou a difundir sua obra no passado. O outro grande autor brasileiro aos olhos do mundo é Paulo Coelho, um escritor que, mesmo sem prestígio intelectual no Brasil, conseguiu vender sua obra em 156 países, graças à temática espiritualista e ao trabalho de uma agente lutadora e perspicaz: Mônica Antunes.

É muito pouco.

Em Frankfurt, poderíamos tentar fazer mais, mas a participação brasileira mostra o velho Brasil de sempre: voltado para o próprio umbigo e com as mesmas mazelas. No seu discurso inaugural, o escritor Luiz Ruffato falou um monte de verdades, mas que só interessam a nós, brasileiros. Pelo discurso de Ruffato, passou-se a ideia de que o Brasil é um país com uma história cheia de crueldades, como se isso fosse uma boa razão para nos colocar no Primeiro Mundo, onde também se construiu a riqueza à custa de massacres e da exploração aviltante dos mais pobres.

O vice-presidente Michel Temer, que fez seu discurso em seguida, representando a presidente Dilma e o governo brasileiro, aproveitou a ocasião para bajular a si mesmo, lembrando que, além de deputado constituinte, é poeta bissexto.

Enquanto isso, como um bando de estudantes, um grupo de escritores tentava angariar assinaturas em favor de um manifesto de apoio à greve dos professores. O Brasil foi a Frankfurt para falar mal de si mesmo e mostrar seu provincianismo terceiromundista, num momento em que deveria estar se colocando como o país emergente que tem mais a oferecer.

O Brasil tem graves problemas, é verdade. Enquanto escritores convidados pelo governo fazem seu circuito auto-referente, o país mergulha no momento pior de sua ciclotimia. Há dois anos, o Brasil era um país genial, que crescia a olhos vistos, sem perceber que as reformas estruturais necessárias para garantir um crescimento sustentado estavam sendo deixadas de lado. 

A crise mundial pouco afetou o Brasil, mas começa a aparecer agora, como um efeito retardado. O país ainda investe muito pouco em educação, que é o fator realmente fundamental para um povo sair da miséria.

O governo federal cria uma série de programas fantasiosos para distribuir dinheiro a ONGs e outra entidades, de modo a alimentar uma enorme caixa preta onde a corrupção pode grassar à vontade. Enquanto isso, a classe média urbana, que paga a conta da bandalheira e vive cada vez mais cercada por impostos e taxas, que só acrescentam à carestia, vai às ruas protestar por melhores salários, acompanhada pelos baderneiros de plantão, que gostam de incendiar ônibus e virar carros de polícia, num acintoso desafio ao poder público.

Mudar para o Primeiro Mundo passa, em primeiro lugar, por uma mudança de mentalidade. O Brasil precisa se desprender de seus antigos comportamentos, que vão do provincianismo de seus políticos ao panfletarismo inócuo da sua intelectualidade. O Brasil tem de deixar de ser o país do futebol e do carnaval e se mostrar como um país sério, com uma cultura mais complexa e rica, onde a literatura ocupa um lugar especial, porque é do mundo das ideias que saem as ações que levam a um país melhor.

O autor brasileiro precisa entrar no mercado internacional, o que não depende de Frankfurt, mas de uma mentalidade globalizada. A importância de Frankfurt tem sido a de mostrar o quanto ainda estamos longe disso, e logo no país onde o livro é ainda uma indústria poderosa e até mesmo invejada pelo seu mercado interno. Temos uma enorme riqueza intelectual e pouca capacidade de vender nossa produção ao mundo inteiro, para ter autores importantes, e não apenas no exterior, como aqui dentro.

Ser vendido no mundo hoje é um passo essencial até mesmo para que o autor brasileiro ser vendido no próprio Brasil, um país que consome o produto globalizado, e por essa razão praticamente eliminou os autores nacionais das listas de obras mais vendidas.

Temos hoje um risco, que é a própria morte da cultura brasileira, diante da avalanche cultural estrangeira à qual se tem tão fácil acesso. Precisamos vender o Brasil para o mundo, para poder vendê-lo para o próprio Brasil, sem o quê deixaremos, perigoso castigo, de existir como Nação.


Os maoris em ação em Frankfurt 2012 e a efígie de Maradona: nada de literatura


terça-feira, 1 de outubro de 2013

Os jornalistas viram suco

Vejo no Facebook que uma jornalista, minha conhecida, abriu uma lanchonete. Sei de outros colegas de profissão que andam quebrando a cabeça sobre o que fazer do futuro, agora que o mercado formal de trabalho na imprensa convencional - jornais, revistas e mesmo na internet - encolheu como nunca.

Isso me lembra outra história, em outro momento, quando eu ainda saía da faculdade, em meados dos anos 1980. Na época, o Brasil andava numa crise danada, e não havia mercado para os engenheiros. Eles se formavam, mas não encontravam emprego. Sem dinheiro, o país estava parado: não havia obras, civis ou públicas. E ficou famoso, na época, um bar especializado em sucos naturais, aberto na Avenida Paulista, que se chamava, não por acaso, "O Engenheiro que Virou Suco". Um boteco com um dono altamente qualificado, mas sem espaço no seu próprio mercado. Havia então engenheiros dirigindo táxis e fazendo uma porção de outras coisas que nada tinham a ver com sua formação.

O grande problema dos veículos de mídia é um só. Numa época em que a distribuição das notícias não depende de altos investimentos em papel, gráfica e logística, ficou também fácil copiar e redistribuir conteúdo de qualidade. É inviável para a empresa jornalística fazer o seu trabalho - pagar um jornalista profissional, mandá-lo fazer a reportagem em algum lugar, numa empresa com todos os custos formais - para em cinco minutos perder a exclusividade sobre a notícia, que é imediatamente copiada e reproduzida exaustivamente por todos aqueles que não gastaram nada em sua produção.

Esse dilema da mídia impressa é dividido com a publicidade, que está ficando sem seus veículos habituais e, pior, cada vez mais é deixada de lado por clientes que dão sua informação publicitária - uma forma de notícia - diretamente para o cliente, por meio das ferramentas da rede social.

Mesmo os portais, um serviço de informação que já nasceu supostamente vocacionado para a internet, têm dificuldade de subsistir, com redações grandes e o desafio de atrair anunciantes. A pergunta é: o que será do jornalismo e do jornalista na era virtual?

Existem alguns casos exemplares, que mostram como o jornalismo está mudando, ou para onde pode ir. Glenn Greenwald (foto abaixo), o jornalista que foi o primeiro a dar as notícias sobre a espionagem americana no Brasil, especialmente nos negócios da Petrobras, é um americano que mora no Rio e passa uma parte do seu tempo na praia, passeando com o cachorro ou seu namorado brasileiro. Ele foi escolhido pelo ex-espião Edward Snowden para receber seu dossiê por três razões: 1 - No Brasil, está fora do alcance da pressão americana; 2 - É um vigilante permanente do governo americano; 3 - Seu blog está abrigado sob o guarda-chuva de um jornal de prestígio: o The Guardian.



O que se pode deduzir do jornalista mais bem sucedido dos últimos tempos é que existe uma tendência maior de os jornais serem aglutinadores de jornalistas espalhados pelo mundo, que não ganharão um salário, e sim um "frila fixo" para estarem sob o abrigo de uma marca de imprensa. Os custos caem para as empresas, que deixam de arcar com uma série de despesas. E os jornalistas não ficam à míngua. Os interesses são os mesmos: o jornal garante conteúdo exclusivo (pelo menos por alguns minutos) e de qualidade, além de atrair leitores com profissionais de renome. E os jornalistas ganham mais leitores trazidos pelo tráfego do jornal, que funcionaria assim como uma espécie de Hub de notícias.

No caso Snowden, o Guardian chegou a investir na reportagem - pagou uma passagem para Glenn encontrar-se com sua fonte de informação na Ásia. Quer dizer que o modelo do jornalismo mudou, mas o jeito como se faz o bom jornalismo, não. É possível ainda fazer bom jornalismo nos moldes atuais. E os investimentos necessários para tê-lo.

Claro que o bom jornalismo é e continuará sendo sempre necessário. As pessoas já perceberam que a internet é um mar reprodutor de boatos e erros grosseiros de informação e que informação qualificada custa - é um serviço essencial á sociedade pelo qual temos de pagar. Porém, a transição do modelo de papel, que vem encolhendo a olhos vistos, e esse futuro em um estágio auto-sustentável ainda pode demorar a acontecer. Vender suco talvez não seja o ideal de vida para um jornalista, mas talvez não existam muitos outros meios para aqueles que não se adaptarem ao novo manejo da profissão.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Escreva Bem, Pense Melhor em setembro na Vila

O curso Escreva Bem, Pense Melhor, que dei em janeiro na Casa do Saber, estará de volta em setembro, agora no auditório da Livraria da Vila do Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo.

Serão 6 encontros, às terças e quintas-feiras, das 20:00 às 21:30, a partir do dia 17 de setembro. As inscrições podem ser feitas em qualquer Loja da Vila. Ou pelo e-mail inscricoes@livrariadavila.com.br.Custará 480 reais por pessoa.

O curso procura oferecer uma maior capacitação para a confecção de textos gramaticalmente corretos, interessantes e importantes pelo seu conteúdo. Apresenta também mecanismos para a reflexão, o exercício da criatividade e a construção de um estilo pessoal, que podem ser úteis tanto para a redação quanto para a vida pessoal e profissional.

Mais do que treinar a escrita, o curso procura desenvolver o pensamento organizado, que leva a uma capacidade maior de expressão, com clareza, objetividade, persuasão e criatividade.


O programa:


Dia 17: Como escrever bem: clareza, interesse, relevância. Abertura, desenvolvimento e fecho; encadeamento e lógica.

Dia 19: Normas estilísticas: texto e linguagem falada; estilo e individualidade. Regras de estilo.

Dia 24. A escrita, autoanálise e desenvolvimento pessoal: a necessidade de escrever. Escrita, emoção e autoanálise. “Inspiração”: os elementos da criação. O texto como expressão individual: diário, blog, autobiografia, memórias.

Dia 26. Estudo de caso. Identificação da ideia principal, estruturação do texto e resultado final.

Dia 1 de outubro: O texto informativo: conteúdo, informação e notícia. Credibilidade e ética. As formas literárias.

Dia 3: Comunicação corporativa: a necessidade da empresa. O autor no espelho: a relação entre a palavra e seu dono.


O curso na Casa do Saber foi ótimo, com um número bem maior de participantes do que se esperava, e uma excelente participação de todos até o final. Espero repetir!

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Copacabana na Amazon e um momento vital para o mercado do livro



A partir de hoje, começam a entrar na Amazon os livros com o selo Copacabana, em português e inglês, para venda no Brasil e no mundo inteiro. O primeiro título em inglês é The Man Who Spoke With God, lançado em português no mercado brasileiro em 2003, onde teve duas edições, e também editado por duas vezes em Portugal. A partir de agora, será possível colocar obras de autores brasileiros em português e inglês no mercado mundial, com a produção de livros exclusivamente digitais. Uma iniciativa que chega num momento vital para o mercado do livro.

Utilizei meus próprios livros de backlist para abrir o que acho ser um novo modelo editorial. Ninguém sabe como serão as editoras no futuro, mas os elementos estão todos sobre a mesa para fazermos nossas apostas. A do selo Copacabana vem de uma visão de como o mercado será daqui em diante, com o crescimento do consumo de obras digitais. Ela é resultado da minha experiência nos três anos em que dirigi o selo Benvirá, na Editora Saraiva, que deixei em março para levar isto adiante. A meu ver, em um ou dois anos não fará mais sentido comprar um livro impresso a 35 reais, e que na maior parte das vezes terá de vir pelo correio, por não estar disponível na livraria. Será muito mais lógico clicar no nosso kindle, ipad ou outro dispositivo móvel com um aplicativo e comprar o mesmo livro a 9,90 e começar a ler o texto imediatamente.

A nova lógica do mercado é simples assim. Tão simples, que me parece inescapável. A operação de imprimir livros, administrar estoques e enviar pacotes de obras impressas a praças distantes certamente logo será algo economicamente inviável. Essa é a razão da debacle das livrarias no Estados Unidos, onde o mercado digital foi pioneiro e se torna cada vez mais importante. Livrarias terão de fazer eventos ou vender outros produtos - como o próprio Kindle - para sobreviver. Isto já está acontecendo. Na Saraiva, por exemplo, com exceção dos livros mais vendidos no mês, há pouca variedade do que escolher. Quem quiser um livro diferente do que está nas listas certamente vai ter que esperar por uma encomenda junto à editora, feita pela livraria, ou diretamente de casa, entrando pelo computador na pontocom.

As grandes editoras internacionais certamente já estão vendo uma mudança enorme na mecânica do mercado. Elas têm procurado adiar esse momento como podem e se preparam com fusões que permitem a redução de custos e a acumulação de conteúdo, mas isso não resolve o essencial, que é a mudança de paradigma que marca a extinção de toda uma indústria, como já aconteceu com a fonográfica. Você pode reduzir os custos, mas não tanto quanto é necessário. E a criação de catálogos enormes com contratos antigos, baseados na era do livro impresso, pode significar apenas que você terá um problema ainda maior para administrar.

Hoje, os editores brasileiros na maioria das vezes pagam um bom dinheiro de adiantamento pelos direitos de obras em inglês e investem na sua tradução para publicar o livro no mercado menor (português), com os custos do livro impresso. Ao criar o Copacabana, minha ideia foi fazer o contrário. Investir na tradução de obras produzidas no mercado menor e vender a obra para o mercado maior, o que é permitido no formato digital, se você abrir mão do desejo de publicar livros impressos (o que no futuro, a meu ver, acontecerá de qualquer maneira). No limite desse cenário, que tem o mesmo sentido de tudo o que acontece no meio digital, não fará mais sentido vender direitos para publicar livros nos territórios. Cada editor publicará seus livros na rede mundial. O mercado de direitos autorais entre países estaria, dessa forma, com os dias contados.

Por que as editoras já não fazem livros exclusivamente digitais? Porque elas possuem custos de operação muito altos desde que publicam livros impressos e têm administrar seu vasto catálogo. Como a receita com livros digitais ainda é pequena, a combinação de custos altos e receita menor com a falência do mercado do livro impresso significa a morte. O desafio de sobrevivência para as editoras convencionais é muito grande. Além do encarecimento do livro impresso, derivado de vendas em menor escala, diante de livros digitais a preços bem menores e facilidades maiores, os editores terão que lidar as questões de direitos autorais. Os contratos com os autores vencem a cada período de quatro a sete anos. Breve haverá um enorme esforço de renegociação para a manutenção do catálogo, já que os autores, com a possibildiade de ir para o mercado digital em novas condições, irão querer uma fatia maior dos ganhos à medida em que os contratos forem vencendo. Sobretudo squando os preços forem abaixo, levados pelo emrcado digital, como já acontece no mercado americano.

Enquanto os editores precisam lidar com a relação de preços entre livro impresso e livro digital, uma editora exclusivamente digital é livre para publicar seus livros a preços baixos. E, na internet, eles precisam ser baixos. Não por conta da concorrência, mas da pirataria, que no meio digital é muito fácil. Ao contrário do que se acredita, os piratas não gostam de entregar nada de graça, porque para piratear, eles também ter de trabalhar. o que eles fazem é vender a mesma coisa que o editor (comoa contecia com filmes, por exemplo) a preços muito mais baixos. A única forma de desestimular esse tipo de pirataria eé vender também o seu produto a um preço muito baixo.

Existem poucos autores com conhecimento e paciência para se autopublicarem, uma das possibilidades apontadas como tendência no mercado digital. Eu mesmo procurei ver como a coisa funcionava no smashwords, utilizando um de meus romances como piloto. Todo o processo de edição do livro, que é automatizado pelo sistema, exige um tipo de paciência que um autor normalmente não tem. o pior, porém, não é isso. No smashwords, assim como em outros serviços do gênero, não há garantia de que seu livro, uma vez finalizado, será publicado na Amazon ou algum outro vendedor importante - há uma seleção interna dos títulos. E, na hora de fazer a transferência bancária do pagamento, há uma incidência de imposto tão alta que equivale ao dinheiro que um autor normalmente deixa com uma editora. Ou seja, é muito trabalho sem o prestígio de uma editora nem um ganho financeiro importante.

Acredito que o futuro das editoras exige que elas sejam muito leves (nos custos), ágeis (na capacidade de produzir títulos instantâneos) e capazes de negociar com autores a longo prazo, para eliminar a constante renegociação de contratos. Não é fácil um editor exclusivamente digital entrar nos grandes vendedores, como a Saraiva, a Cultura, o Google e a Amazon, onde a Copacabana está. Nem um autror fazer isso sozinho. A terceira via é o selo Copacabana. Por isso, acredito que essa seja uma boa fórmula para ser tentada. E o tempo mostrará sua validade.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Por que Bezos comprou o Post?



Jeff Bezos, dono da Amazon, comprou o Washington Post, um dos mais tradicionais jornais americanos. Pagou 250 milhões de dólares - pouco, se pensarmos no que valiam as empresas de mídia até pouco tempo atrás. Muito, talvez, para um modelo que vai tendo cada vez mais dificuldades com o avanço do meio digital sobre o impresso e suas consequências. Porém, não é o valor que chama a atenção nesse negócio. Por que Bezos, o visionário que entendeu antes de todo mundo o negócio de cauda longa na internet, e que demoliu o mercado convencional do livro e das livrarias no mercado americano com seu site de compras pela internet e o Kindle, compraria um velho jornal - e como pessoa física? Eis a questão.

Ao anunciar o negócio, os donos do Post, um jornalão dirigido há 80 anos pela mesma família, e que teve seus dias de glória décadas atrás, quando suas reportagens derrubaram o presidente Nixon, disseram que com a redução de custos sabiam que podiam manter o jornal por longo tempo. Porém, não viam como fazê-lo crescer novamente. E que, com Bezos, um ícone da imprensa americana teria maiores possibilidades. Ou seja, teria futuro. Um extraordinário realismo, ou desapego, demonstração de humildade? Talvez tenha sido, mais que tudo, a sensação de impotência de quem não é capaz de enxergar mais à frente.

Sabemos que a imprensa não pode nem vai desaparecer. A questão é como ela se amoldará a novos tempos e uma nova maneira de pensar. Uma era em que os leitores respondem ao veículo em tempo real, em que se pode saber o que eles querem realmente saber, além do que o editor quer dizer, e onde se pode ter acesso imediato à informação. Uma era em que o alcance de uma publicação não depende de haver uma banca de jornal nas redondezas, ou de um sistema de assinatura em que folhas de papel chegam pelo correio. Tudo isso está virando passado rapidamente.

Bezos deve ver um futuro para a imprensa, algo que não acontece com os editores tradicionais, muito acostumados aos velhos paradigmas. O próprio nome (imprensa) já não faz muito sentido para designar o negócio da informação. Mas ele não mudou muito em sua essência e não deverá mudar.

Se os antigos editores têm algo a aprender com os tycoons da era digital, esses também podem aproveitar o que o velho mundo tem a ensinar. Que a imprensa existe. Que ela depende de credibilidade, algo que o Post tem de sobra. Que a credibilidade depende da separação entre igreja e Estado - conteúdo editorial e publicidade. Que a informação gabaritada é essencial, formadora de opinião pública e um pilar da democracia e da própria sociedade onde vivemos. O que os velhos editores não sabem, apenas, é como financiar o mesmo serviço num ambiente em que a publicidade convencional se encontra em queda, o meio papel vai ficando caro, e as receitas são insuficientes para manter os mesmos custos de produção que davam no veículo impresso.

É muito provável que Bezos tenha uma ideia do que fazer a respeito, caso contrário não compraria o Post - seria como comprar uma fábrica de discos de vinil. Todos os editores buscam as respostas que ele provavelmente acha que tem na cabeça e devem estar ansiosos para ver o que um pioneiro do novo mundo fará com um negócio tido como decadente.

A primeira coisa que Bezos fez foi convidar os donos e principais editores do Post para continuar em suas cadeiras. Ele sabe que a imprensa depende ainda da mesma coisa: editores e repórteres com credibilidade. Foi isso o que ele comprou. E os próprios editores esperam que ele faça o negócio novamente crescer no ambiente onde ele enxerga coisas que eles não estão enxergando.

Ninguém tem a resposta muito certa sobre qual modelo fará a imprensa se reafirmar. Por mais que tenha uma visão a respeito, Bezos deve saber que não é mais do que uma visão. Só temos certeza sobre o que vai acontecer depois que tudo acontece e temos na mão o resultado. O mundo digital é muito mutante. Porém, alguns caminhos estão delineados.

É preciso manter a separação entre igreja e estado, mesmo num meio em que o dinheiro parece vir da possibilidade de monetizar tudo aquilo que se clica dentro de um computador. A saída certaemnte está na cobrança pelo serviço, um modelo de assinaturas que não é diferente de quando foram criadas as assinaturas para jornais e revistas, o que aconteceu no Barsil cerca de 40 anos atrás.

Nessa época, os editores se deparavam com as mesmas questões de hoje, no mercado impresso. Como ter uma receita maior e estável de publicidade? Garantindo um público permanente, ou seja, a circulação paga. Para isso, era preciso inventar um sistema sólido de assinaturas, o que não era um problema técnico, mas psicossocial: era preciso convencer as pessoas de que elas precisam pagar antes pela assinatura de um serviço que receberiam ao longo do tempo. E isso funcionou para revistas e jornais impressos, que chegavam em casa pelo correio.

Hoje o dilema é o mesmo, só que numa mídia diferente. É preciso convencer as pessoas de que, para ter um serviço de informação confiável, num ambiente cheio de informações inidôneas como a internet, o consumidor terá de pagar. Provavelmente os custos das empresas terão de se adequar a um novo patamar de receitas. E os publishers deverão ter conteúdo exclusivo e importante para que sua carteira de assinantes se mantenha ou venha a crescer num ambiente em que, em compensação, muito mais gente terá acesso à informação.

No Brasil, os jornais - mesmo os ditos ''nacionais'' - sempre foram regionais. Folha de S. Paulo, por exemplo, sempre circulou em grande parte em São Paulo; O Globo e Jornal do Brasil são publicações do Rio de Janeiro. Na internet, a possibilidade de ter um assinante em qualquer lugar do Brasil cresce exponencialmente para os veículos tradicionais. Em tese, isso pode compensar uma perda de receita com o declínio da venda avulsa em bancas e um valor mais baixo para o serviço de assinatura. E a publicidade, ainda que num patamar de valores também mais baixo, pode voltar.

Será certamente uma transição complicada para veículos tradicionais que ainda têm de bancar o papel e uma grande oportunidade para quem está começando do zero. Com certeza, Bezos quer estar lá do outro lado, depois que essa fase de transição acabar.