quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Na intimidade de J.R.Duran



Como editor, lanço agora Cadernos de Viagem, um belo livro que registra os diários do fotógrafo J.R.Duran, um globetrotter por conta do trabalho para revistas masculinas e de moda, além da publicidade. Duran tem, entre seus muitos talentos, o do desenho – e, por um capricho pessoal, gosta de fazer esquetes dos quartos de hotel onde se hospeda, que depois transforma em aquarelas. Com seus textos e essas imagens, Cadernos de Viagem forma não apenas um refinado guia de hotéis, como um livro de memória afetiva, observação rica sobre o mundo e permite entrar na intimidade de um artista.

Para mim, lançar este livro tem um gosto ainda mais especial. Duran é um daqueles personagens que encontramos várias vezes ao longo da vida, em situações que são também um retrato de cada tempo e de nós mesmos, ilustrados hoje na aquarela da memória. A primeira vez em que ouvi falar dele foi no início da década de 1980, quando Duran tinha um estúdio na Avenida Pacaembu e já era o fotógrafo mais quente da publicidade no Brasil. Eu era um universitário durango, que tomava o Vila Nilo lotado para atravessar a cidade pendurado de fora do ônibus, de modo a pular no ponto final sem passar pela catraca e pagar pela passagem. Fazia duas faculdades, Jornalismo de manhã e Ciências Sociais à tarde, ambas na USP, e precisava de dinheiro, mas não tinha tempo para trabalhar. Apelei, na época, para meu único capital: a juventude. E tentei trabalhar como figurante de comerciais de televisão e modelo publicitário. Um tipo de bico que, quando eu dava sorte, me permitia com um dia de trabalho passar o restante do mês somente estudando.

Não era fácil, claro. Eu era um Zé Ninguém. O agente me chamava ao telefone para fazer testes, eu entrava na fila e depois de fazer alguma pose aguardava para saber se o trabalho era meu – uma chance em 100. Ir ao estúdio de Duran para um teste foi um dos meus primeiros chamados. Fiquei numa fila tão grande que dobrava o quarteirão. Sentado no meio-fio, depois de meia hora, desisti – nem cheguei a entrar na casa. Duran, para mim, ficou então como uma espécie de símbolo de pessoa inatingível, a estrela dentro de uma fábrica onde gente como eu, pelo menos naquela época, nem conseguia passar da porta.

Eu era persistente, e comecei a arrumar alguns trabalhos. O primeiro foi o de pedestre, uma figuração num comercial da Caixa Econômica, em que um sujeito recebia a notícia de que tinha ganho na Loteria e saía dando cambalhotas de ginasta pela rua. Depois fiz comercial da cueca Zorba, fui passageiro do primeiro looping do Playcenter, da cera Grand Prix, sorri diante da câmera dizendo “menta!” para o dentifrício da Colgate, o que me rendeu muita gozação. Até fazer uma série de comerciais de eletrodomésticos para a Brastemp, produzido pela já falecida Denison Propaganda, na qual eu faria o papel de namorado da filha de um sujeito cujo reino doméstico girava em torno do fogão, da geladeira e da máquina de lavar.

Interpretava, nos comerciais, o jovem Caco, namorado da personagem Luciana, feito por Sandra Annenberg, essa mesma que hoje é apresentadora de telejornal, e na época ainda tentava decolar na carreira de atriz. Lembro de uma bela tarde que passei com ela na casa dos Braga, construída dentro do estúdio, fazendo um filme entre borrifos de fumaça que nos deixavam às cegas (o diretor, Clemente, acreditava que a técnica dava mais brilho a tudo, assim como enchera a casa de plantas - homenagem, ironizava, aos filmes de Walter Hugo Khouri). O humor do episódio consistia em derramar uma balde d'água sobre a minha cabeça quando eu abria uma porta (estripulia do irmãozinho da namorada). E o pai da moça me apanhava em casa sem roupa, u melhor, com um roupão que levava as iniciais dele. Naquele dia, perdi a conta de quantos baldes d' água levei na cabeça. Atrás da casa cenográfica, uma passadeira me esperava depois de cada caldo. Tratava de passar a muda de roupa para que eu pudesse tomar um banho atrás do outro até a cena ficar "perfeita".

Além do filme na TV, que me garantia um ano de contrato de exclusividade e com o qual eu poderia terminar a universidade sem precisar trabalhar, fui enviado para fazer uma foto de revista. Passei duas horas dentro de um estúdio, com Sandra virando e desvirando no meu colo, enquanto eu me maravilhava com outra coisa. O fotógrafo era J.R. Duran! É verdade que eu mal o vi: depois que tudo estava preparado – o cenário, a luz, nós – ele entrou, mal nos cumprimentou, fotografou dando ordens no seu português com sotaque catalão, áspero e telegráfico, e foi embora. Porém, algo importante mudara. Ele ainda parecia um sujeito inacessível, mas daquela vez eu estava do lado de dentro do estúdio.


Tão logo me formei, já com o contrato encerrado, me dediquei exclusivamente ao jornalismo, e foi como repórter, muitos anos depois, que encontrei Duran pela segunda vez. Ele passara um período em Nova York e retornava ao Brasil com um livro fotográfico da cidade. Editor e colunista da revista VIP, fui incumbido de escrever sobre ele. Mais uma porta se abriu: dessa vez, a de sua casa. Recém-chegado a São Paulo, Duran estava morando em um apartamento na Av. São Luiz, com uma enorme mesa onde esparramou suas fotos e falou sobre sua experiência nos Estados Unidos. Escrevi sobre o livro e aquele momento de Duran, refletido nas fotos em branco e preto na megalópole que sabe exilar estrangeiros como ninguém – e dei ao texto o titulo de “Passageiro da solidão”. Em Nova York, Duran havia descoberto algo: cidadão do mundo, ele era, antes de mais nada, brasileiro.

Como editor de revistas de estilo, a começar pela própria VIP, voltei a falar com Duran muitas vezes depois, dessa vez na condição de contratante – ele faria para mim diversas reportagens de moda. Ficamos amigos. Em uma de nossas conversas, ele me mostrou seus apontamentos de viagem – uns caderninhos horizontais, onde rafiava os quartos de hotel, cheios de anotações em sua letra muito pessoal, pois Duran só escreve com capitulares. Eu achava aquilo coisa de outro tempo, o tempo maravilhoso em que os antigos viajantes não tinham, justamente, a máquina fotográfica e dependiam de outras habilidades para fazer retratos. Durante anos, insisti para que ele me cedesse aquele material, que eu poderia publicar de alguma forma em revista. Aquilo, porém, era feito de substância muito pessoal. Além dos hotéis e dos lugares aonde ia, as anotações eram pensamentos, seus assuntos íntimos, ou contavam sua convivência com celebridades ou as mulheres que ele literalmente despia a trabalho.

Quando me tornei editor de livros, há três anos, e precisava de conteúdo, uma das primeiras ideias que tive foi a de procurar J.R.Duran. Fui ao seu estúdio, na Vila Madalena, no qual ele usa como escritório uma sala ampla, decorada com objetos que recolhe de viagem, de um cavaquinho a um crânio humano, passando por livros de todo tipo - de romances policiais B, que ele adora (e também escreve) a livros de arte. Duran mostrou resistência, como sempre. Dessa vez, seu receio era outro: a inveja. Muita gente acha que Duran tem o melhor emprego do mundo: tira a roupa das mulheres, ganha dinheiro, viaja e vive à larga. Só faltava agora querer mostrar que também escreve bem, e mais: pinta. Quanta presunção. "Pra compensar, então, a gente espalha que você tem pinto pequeno!", sugeri. Ele riu, claro, e assim eu o convenci afinal a publicar os seus cadernos.

No lugar do amigo, passei a conviver novamente com o profissional meticuloso. Assim que concordou com a ideia, Duran se entregou ao trabalho da única forma que ele sabe fazer. Durante dois anos, foi recolhendo cadernos perdidos, e trabalhou para terminar aqueles desenhos que ainda não tinham sido pintados. Passou todo o texto anotado a mão para computador e o revisou. Optou corajosamente por manter as anotações pessoais e as referências a pessoas verdadeiras, identificadas no livro apenas pelas iniciais, para não causar eventuais constrangimentos. E, como profissional das artes visuais, acompanhou todo o processo de produção do livro, com seu detalhismo meio rabugento e questionador, ao ponto do irritante. Porém, fez com que eu entendesse a razão pela qual ele é, há tanto tempo, o maior fotógrafo do Brasil: a sensibilidade artística aliada a um perfeccionismo tão obsessivo que mereceria umas sessões de psicanálise.

O resultado está aí: um livro impecável, único, de um talento brasileiro. E um editor feliz por chegar a mais esta etapa da vida com outro capital, além da juventude (ainda): o tempo e os inesperados companheiros de jornada que ele traz.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Como começa um escritor


Agora, como autor, e também como editor, vejo todos aqueles que ingressam com seus originais no Prêmio Benvirá de Literatura, muitos deles com o mesmo sonho dos meus 17 anos, quando vivia fascinado com as histórias de meu avô materno, que eu achava dignas de um romance, e alimentava a ideia de viver de escrever. Fico satisfeito de poder, com o incentivo do prêmio, ajudar a dar uma oportunidade a gente como eu de realizar esse sonho, encontrar talvez uma profissão e, sobretudo, tendo sucesso financeiro ou não, ser feliz fazendo algo pessoalmente tão importante.

Muita gente que tem me encontrado pede um conselho. Nenhum escritor dá conselhos a outro, e editores também não o fazem, porque o jeito em que se começa nesse negócio é tão individual quanto cada ser humano. É difícil encontrar alguém que te ajude de fato ou te aponte um bom caminho. Eu mesmo estou nisso meio por obra do acaso, algo tão difícil quanto ganhar um prêmio literário.

Pensando bem, minto: eu tive alguém que me ajudou, ou que eu poderia chamar de professor, embora tenha mais me desencaminhado que encaminhado para alguma coisa. Falo de Walter George Durst, dramaturgo celebrizado por suas adaptações para TV de grandes romances brasileiros, como Grande Sertão: Veredas, e a primeira versão de Gabriela, Cravo e Canela, com Sônia Braga no papel principal - um grande sucesso na época.

Durst era pai de um colega de classe, Marcelo Durst, com quem eu cursava por coincidência duas faculdades, a de Comunicação e a de Ciências Sociais, ambas na USP. Eu era um estudante duro e não perdia oportunidade de filar a bóia na casa de Durst, pai, não apenas para escapar do bandejão desestimulante do Crusp, o restaurante da Universidade, como para conviver com aquele homem que admiravelmente vivia somente de escrever.

Aos meus olhos ele levava não a vida que pediu a Deus, mas a vida que Deus pediu. Tinha uma bela casa numa rua arborizada, na vizinhança da USP, e trabalhava numa edícula recheada de livros e pôsteres de filmes brasileiros, alguns deles estrelados por sua mulher, Barbara Fazio, na época já uma senhora, ser deixar de ser bela. Vivendo entre livros, e cheio de tempo livre para amadurecer as ideias, Durst só tinha um compromisso, que era sagrado. Ia semanalmente à feira livre, não para fazer compras, mas escutar. Queria saber o que o povo estava falando, o que gostava, sentir a temperatura do que sabia ser seu público.

Naquela época, Durst era o único escritor de novelas da TV Globo que morava em São Paulo, e começou a formar um grupo de jovens autores, início de um núcleo de dramaturgia na cidade, que trabalharia para a TV Globo sob seu comando. Vínhamos conversando bastante sobre a arte de escrever, naqueles momentos após o almoço, em que o mundo parecia parar para o café. Eu me sentava com ele em sua sala de trabalho, onde havia um par de poltronas pequenas, e ali extraía dele tudo o que queria saber.

Formado na escola do cinema, Durst tinha em mente que o fundamento de qualquer obra de ficção era a criação de um conflito, essência não apenas da novela como de todo trabalho literário. Essa tensão era para ele o gerador de interesse contínuo, e não apenas momentâneo, na obra ficcional, de modo a fazer com que o espectador (ou o leitor, no caso do romance) permanecesse entretido até o desenlace.

Foi o único profissional das letras que me deu algum alento - e também conselhos. "Esse é um mercado muito pequeno, isto é, para pouca gente", dizia ele. "Mas, se você for bem, ficará rico". Naquela época, eu começara já a trabalhar como jornalista na revista Veja, onde ganhava um salário bastante razoável para alguém com pouco mais de vinte anos. E completou. "Vou te convidar para participar do núcleo de roteiristas, mas não largue seu emprego. Ainda."

O primeiro trabalho do núcleo paulista de dramaturgia da TV Globo foi uma série para as cinco da tarde - episódios de uma hora, que deveriam ter começo, meio e fim. Eram voltados para um público de mais idade, que segundo pesquisas era a maior audiência do horário. Durst pediu então a cada um uma sinopse, que mais tarde seria desenvolvida para se transformar em episódio. Cada autor entraria regularmente com um episódio inteiramente seu, numa sistema de rodízio.

Por aqueles dias, eu havia recebido na redação de Veja, dentro de um envelope meio sujo, uma longa carta de um executivo que soava em desespero. Narrava suas desventuras desde um acidente: batera o carro no veículo de um casal de velhinhos, que o ameaçara de processo e depois passara a chantageá-lo. Numa sequência kafkiana, o missivista dizia que tinha perdido em sequência o seu emprego, o dinheiro e, ao cabo, a mulher. Eu não via nenhuma reportagem a fazer com aquela história, mas achei-a de primeira mão para produzir o meu primeiro episódio da Série Brasileira.

Entreguei a sinopse a Durst, que a remeteu para avaliação da Globo no Rio de Janeiro. Chamou-me em sua casa para dar o retorno. "Olha, eles adoraram a história", disse ele. "Mas pediram para você tirar essa persona sacana dos velhinhos. Como o público é idoso, eles acham que isso pode indispor o telespectador com a série."

Protestei, claro. Se os velhinhos da história fossem bonzinhos, ela perderia completamente a graça, que estava justamente aí.

Por coincidência, naquela mesma semana, devido a uma série de mudanças nos quadros de Veja, recebi a notícia de que seria promovido a editor de assuntos nacionais da revista. Era um cargo importante, sobretudo para alguém tão jovem, e chave para a publicação. Eu cuidaria de editar todas as reportagens de alcance nacional, sobretudo da política, numa época em que o Brasil estava em plena ebulição, saindo de uma pesada crise econômica e entrando na reta para a primeira eleição presidencial em 30 anos, depois de uma angustiante e longa transição da ditadura militar.

Pensei no conselho de Durst ("não largue seu emprego"), e na frustração de, na TV, não poder escrever a história como eu desejava, mas moldado pela opinião dos executivos e seus charts do Ibope. De certa forma, mesmo tão jovem, eu partilhava da velha escola de Durst, que se valia muito mais de seus ouvidos, sua "pesquisa qualitativa" na feira de rua, de onde também vem a matéria bruta ficcional - a experiência humana, o contato pessoal, a emoção. Liguei para ele, agradeci, expliquei que com aquele convite de trabalho não poderia me dividir mais com o núcleo de dramaturgia e que tinha feito a minha opção pelo emprego.

Ele entendeu - e foi a última vez que falei com Walter George Durst, falecido há alguns anos. Muitas vezes pensei se deveria ter me arrependido dessa decisão, se não teria sido mais feliz (ou ficado rico) escrevendo para a TV. Mas a verdade é que, por muito tempo, não pensei mais em escrever ficção de qualquer espécie, dedicado como estava ao jornalismo. E voltaria a escrever ficção, novamente, por mero acaso - ou melhor, por uma indicação de outro dramaturgo, que, como nas melhores novelas, viria a ser o autor da segunda versão para a TV de Gabriela, Cravo e Canela.

Depois de Veja, trabalhei como editor de VIP, na época então um suplemento de Exame, onde dei emprego a certo dramaturgo que, depois de algumas tentativas não muito bem sucedidas, decidira voltar ao jornalismo para ganhar a vida até poder se recolocar na profissão com a qual sempre sonhara. Walcyr Carrasco, que já trabalhara em Veja, aceitou um modesto cargo de editor assistente, e escrevia reportagens de comportamento, o que ele fazia muito bem, devido à sua sensibilidade para abordar as pessoas e captar nuances - uma qualidade do jornalista que tem talento literário.

Walcyr escrevera alguns livros infantis e, quando sua editora, Maristela Petrilli, lhe pediu indicação de um autor, apontou meu nome. Levei uma hora para escrever Liberdade para todos, uma obra que, ao longo de uma década, seria adotada em muitas escolas e venderia mais de 150 mil exemplares. Era um livro singelo, mas que me despertou a vontade novamente de escrever ficção, e me ajudou a lembrar do que realmente os livros eram feitos - não de inteligência, mas de matéria emocional. E que o trabalho do ficcionista é ajudar os outros a trilhar caminhos, apresentando a si mesmo e suas experiências como uma espécie de laboratório.

Retomei o projeto de escrever o livro inspirado nas histórias de meu avô, que nunca foram além de uma transcrição de velhas fitas que eu guardava já como lembrança. Vinte anos depois, o romance finalmente tomou forma, diariamente, entre as cinco e as 9 da manhã, quando eu saía para o trabalho.

Naquela época, a mesma editora que lançara meu livro infantil incursionava na ficção adulta e me pediu os originais. tempos depois, voltou a resposta. A editora preferira me enviar o longo texto do parecerista, em que ele me chamava de "o Dostoiévski brasileiro", e acrescentava que, se vivesse no mundo contemporâneo, Dostoiévski teria seus livros recusado nas editoras, porque eram muito grandes. Por fim, recomendava que eu cortasse o texto pela metade, para que pudesse ser publicado com fins comerciais.

Aquilo, para mim, era um não - eu preferia procurar outra editora. E foi o que fiz. Junto com um livro do editor de moda Fernando de Barros, que eu ajudara como colaborador a se tornar um best seller (fazendo com ele "Elegância,", um guia de moda masculina), ofereci meu manuscrito à Siciliano. O editor, Pedro Paulo Sena Madureira, olhou-o como todo os editores - com um certo ceticismo, ou desdém. Porém, me conhecia como jornalista, e se viu obrigado a pelo menos ler algumas páginas.

Tempos depois, Pedro Paulo me anunciou que o livro seria publicado. Lera mais do que algumas páginas - bebera tudo. "Realmente o livro é grande", disse ele. "Mas o que é o seu defeito, é também sua qualidade." Surpreendentemente, o livro de Fernando de Barros venderia menos do que a editora esperava. E meu romance, do qual não se esperava nada, foi para a segunda tiragem e mais tarde para uma segunda edição. Logo eu publicaria na Siciliano meu segundo romance, O Homem Que Falava com Deus, que teria sua primeira reimpressão ainda antes da noite de autógrafos. Eu começara, dessa forma, uma carreira paralela, como sugerira Durst - até me sentir confiante o suficiente para deixar, enfim, meus empregos e viver, como vivi oito anos, apenas de escrever livros.

Hoje, Walcyr Carrasco desfruta o sucesso da segunda minissérie Gabriela. Por indicação dele, novamente, mudei-me há alguns anos para a Objetiva, quando a Siciliano foi tragada por dificuldades financeiras, junto com sua rede de livrarias. Certa vez, Walcyr me disse que era meu amigo porque sabia que eu não tinha inveja dele - algo raro entre intelectuais das letras. De fato. Eu não trocaria sequer um dos meus livros por todas as novelas de Walcyr, mesmo que não ganhasse dinheiro algum com eles.

Não é que eu desgoste das novelas de Walcyr, pelo contrário. Ele é um mestre no que faz. Só que eu, revendo minha trajetória desde as conversas com Durst, sei mais do que nunca que meu negócio é o livro. Não há maior recompensa do que escrever a sua própria história, aquilo que você quer, olhando para a rua, e não os charts dos executivos. Funciona. Descobri, como Durst, que fazendo isso a gente obtém a maior das recompensas, que é saber que a gente escreve sempre tem ressonância. Há gente que gosta, que compra, e ainda agradece por isso. O que faz de mim, dessa forma, entre todos, o mais grato.









quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prêmio Benvirá: como se tornar um escritor de verdade


Raphael Montes é um moleque de sorte.

Há dois anos, quando abrimos o primeiro Prêmio Benvirá de Literatura, e recebemos 1932 inscrições, achamos um texto que chamava a atenção por duas razões. A primeira: era um livro policial denso, consistente, que mergulhava no universo da juventude carioca, do tipo que entretém e faz pensar, uma combinação excelente para uma obra de ficção. Selecionado entre os dez finalistas, recebeu elogios de todos os jurados, especialmente do crítico e jornalista Nelson de Oliveira. "Normalmente não gosto muito de policial, ainda mais para prêmio", disse ele, na época. "Mas gostei muito deste - eu o consideraria."

A segunda coisa que chamou a atenção foi a quilometragem do autor: Raphael, que mentia a idade, tinha apenas 19 anos. Começara a escrever Suicidas três anos antes, com somente 16.

Suicidas não ganhou, e Raphael achou que estava fora do baralho. Entregou os originais para uma pequena editora. Tinha já um contrato assinado. Quando recebeu um telefonema meu, interessado em publicar o livro pela Saraiva, selo Benvirá, mudou de ideia na hora. Conversou com o editor, desfez o contrato. "Ele entendeu", me contou, depois.

Por alguns meses, enquanto preparávamos os originais de Suicidas, eu costumava brincar na Editora que ele se tornara o autor não publicado mais famoso do Brasil. Estudante de Direito, a um semestre de completar o curso, no Facebook e aonde ia, Raphael se autointitulava "escritor". E se enfiava em cursos, seminários, até na imprensa. Foi entrevistado como "autor" pelo jornal O Globo, durante a Bienal do Rio. Foi convidado para dividir mesa de debates literários com autores de renome, já publicados por grandes editoras. Um prodígio da vontade.

Raphael deu sorte, mas também porque estava em todo lugar. Há dois anos, apareceu na minha frente em Paraty, durante a Flip, e se apresentou. Rapaz simpático, falante, acabou entrando para o grupo que estava lá reunido - os autores da Benvirá, Luis Felipe Pondé, o mexicano Enrique Krauze, a romancista argentina Pola Oloixarac, a "musa' do evento. Conviveu com os autores na intimidade, nos jantares que promovemos na casa de Benoir Gautier, um amigo querido, e conheceu por dentro o clima dos grandes eventos literários. Me pediu um conselho. E eu dei: "Forme-se e não largue seu emprego - por enquanto".

Lógico que a primeira coisa que Raphael fez, ao se ver um autor prestes a ser publicado, foi contrariar meu primeiro e único conselho: largou o emprego (na verdade, um estágio de Direito), com o pretexto de ir de novo à Flip, este ano. Talentoso, ousado, a ponto de ser meio abusado, lá estava ele de novo, no meio da massa de Paraty, com suas bermudas balançando ao redor dos cambitos de garoto. Teimoso, o "escritor".

No Rio de Janeiro, quando lancei um livro do hoje ministro da Defesa, Celso Amorim (Conversas com jovens diplomatas"), quem estava lá, na sessão de autógrafos? Raphael Montes. Queria ver o lançamento de perto, sentir, cheirar, estar com as pessoas que faziam tudo acontecer. E a conversa boa atravessou um jantar e foi parar alta madrugada na casa de seus pais, em Copacabana, onde ele nos apresentou a coleção completa das obras de Conan Doyle que é o orgulho da biblioteca em seu quarto. Depois foi abrir a adega de cachaças do pai - um colecionador do destilado, que felizmente dormia.

Raphael Montes não deixou de ser garoto. Enquanto Suicidas entrava na gráfica, ele estava na Disneylândia, fazendo poses ao lado do Mickey e do castelo da Cinderela, postados no Facebook. Ontem, em uma Saraiva do Rio de Janeiro, foi sua vez de estar sentado à mesa autografando seu romance. Estavam lá amigos, professores desde o jardim da infância, membros do Clube da Cachaça, colegas do karaokê, mestres de Direito e uma porção de gente que comprou o livro e, para sua surpresa, ele nem conhecia.

Ontem, afinal, Raphael Montes se tornou um escritor de verdade. Disse ele no Facebook que foi a melhor noite de sua vida. Espero que tenha muito disso pela frente. E que não largue seu novo emprego. Ainda.




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Prêmio Benvirá: por que existe, por que participar


Quando assumi a direção da área de Ficção e Não Ficção da Editora Saraiva, há cerca de 3 anos, lancei na companhia a ideia de desenvolver um prêmio literário, que recebeu apoio entusiasmado de toda a equipe editorial, de vendas e marketing, além do presidente da companhia, José Luiz Próspero. E eram muitas as razões para isto, além de conquistar novos autores para o novo selo Benvirá, criado com a finalidade de lançar livros da Editora Saraiva em todo o mercado.

Claro que o Prêmio, em primeiro lugar, teve a finalidade de divulgar o selo Benvirá, mas havia, e ainda há, muito mais. Um dos seus objetivos é criar um canal para o novo e profissionalizar cada vez mais o mercado brasileiro de livros, como acontece em outros países, como a Espanha, em que várias editoras possuem seus próprios prêmios de incentivo ao surgimento de novos autores, como a Alfaguara e a Bruguera.

Em prêmios como o Benvirá, não é somente o vencedor que sai ganhando (em nosso caso, 30 mil reais, mais toda a promoção do livro, por conta da divulgação do resultado). Na primeira edição, contamos com outros quatro autores que chamaram a atenção e já tiveram suas obras publicadas. Um quinto ainda tem seu livro por ser lançado.

É um prazer encontrar novidades por aí - e o prêmio nos permitiu fazer boas descobertas. Primeiro, que o modelo de enviar originais em papel está superado. Creio que esse é o principal fator para fazer com que nosso prêmio tenha sido recordista em inscrições (1.932 originais, em sua primeira edição), enquanto outros prêmios, como o da Leya, não ultrapassaram 800 concorrentes. Foi gente de todo o Brasil, graças ao acesso democratizado e simples que a tecnologia permite.

A segunda e mais importante descoberta é que existe uma geração de novos bons autores, criados no ambiente cibernético. Entre os inscritos no primeiro prêmio, estavam diversos autores já publicados, e por editoras importantes. Porém, os jovens ganharam a preferência, não apenas entre os dez finalistas, como entre as obras que procuramos para publicação, posteriormente ao anúncio do vencedor. Não por uma política editorial que apontasse nesse sentido, e sim, simplesmente, porque os originais eram de melhor qualidade.

Acredito que esse fenômeno tem sido estimulado pela internet, um ambiente que tornou a escrita mais importante e presente no dia a dia, do e-mail aos blogs e sites literários. A proliferação de fanbooks, clubes de autopublicação e comunidades que seguem concursos literários ou comentam livros, como o Skoob, são um grande avanço para a consolidação de um amplo e livre espaço para a criação literária.

Os prêmios literários têm sucesso ainda antes de divulgado o seu resultado. Para concorrer ao prêmio, muita gente começa a escrever, ou aprimora seus originais, mergulhando no campo da criação e das ideias. O Prêmio Benvirá, dessa forma, funciona como um estimulador da criação e da cultura brasileira.

Com isso, creio que a Editora Saraiva, que possui 2.700 autores brasileiros, de onde vem 95% de seu catálogo, dá mais uma grande contribuição à produção cultural nacional. E é um prazer poder colaborar, pois ninguém está no negócio do livro apenas por compromissos de trabalho - nunca se perde de vista o principal, que é o ideal de fazer um Brasil melhor por meio da Educação.




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Prêmio Benvirá: gêneros, tamanho do texto e outras questões


Mais questões têm surgido a respeito do Prêmio, aí vão as respostas que atendem à maioria delas.

Gênero
O prêmio Benvirá de Literatura aceita qualquer forma de texto ficcional, isto é, romance, conto ou poesia. Isso inclui romance histórico, que também é ficção.

Tamanho
Não existe um tamanho minimo ou máximo. Para ter chance real de ganhar o prêmio, porém, é preciso enviar material suficiente para dar um livro. Não adianta apenas 1 conto ou um poema. Na primeira edição, em 2010, dos 1.932 originais inscritos, somente uma dezena eram textos pequenos ou insuficientes para um livro, sinal de que a imensa maioria dos concorrentes entendeu bem a proposta, que visa a publicação em livro da obra do autor premiado.

Quem já concorreu pode concorrer de novo?
Claro. Quem já concorreu na edição anterior pode ter melhorado a obra, ou escrito uma nova. Demos o prazo de dois anos entre uma premiação e outra justamente para permitir esse tempo de produção. Conforme o regulamento, só não podem concorrer funcionários da Saraiva Livreiros Editores SA e autores já publicados pela própria Editora. O que inclui aqueles que já tiveram seus livros publicados por meio da primeira edição do Prêmio Benvirá.

Quem tiver seu livro publicado poderá continuar publicando outras obras pelo selo Benvirá?
A proposta do selo Benvirá é desenvolver a carreira dos autores, lhes dando uma oportunidade de entrar no mercado profissional do livro. Para isso, é importante que o autor siga escrevendo. Os autores já publicados foram convidados a fazer uma segunda obra para dar continuidade à carreira. Lívia Brazil, cujo primeiro romance (Queria Tanto) foi muito bem nas livrarias, já entregou os originais de um segundo romance, que deve ser publicado ano que vem. Os outros, estamos aguardando. Escrever um bom livro em geral demora.

Como é o contrato de publicação do livro?
É um contrato de direitos autorais como qualquer outro contrato de autores publicados pela Editora Saraiva. Depois de anunciado oficialmente o vencedor, os autores dos outros originais que interessaram aos editores serão procurados, por meio dos dados obtidos no cadastro.

A editora influi na decisão dos jurados?
Não. Eles são livres para escolher a que acharem ter mais qualidade, sem necessariamente se preocupar com questões de mercado (o que vende mais, de acordo com o interesse do público no momento). A decisão é tomada numa reunião de portas fechadas da qual nós, editores, não participamos. Porém, temos a liberdade de também editar outras obras, especialmente entre os finalistas, que são selecionados por nós, que acreditamos ter potencial de vendas ou alta qualidade. Estes não recebem prêmio, mas entram para o nosso catálogo de autores - o que já é muito bom.

Não deixem de ler o regulamento, no site do selo Benvirá, da Editora Saraiva: www.benvira.com.br.



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Prêmio Benvirá: o que é importante saber

Como editor de Ficção e Não Ficção da Editora Saraiva, e responsável pelo selo Benvirá, tenho recebido as dúvidas de interessados em participar do segundo Prêmio Benvirá de Literatura, que dará 30 mil reais ao vencedor. Vou manter aqui um canal aberto para aqueles que quiserem mais esclarecimentos, de modo a responder às perguntas mais frequentes.

Preciso escrever a sinopse?
As inscrições só podem ser realizadas pelo site www.benvira.com.br, mediante um breve cadastramento. Nesse cadastramento, é pedida uma sinopse do livro, sem a qual o original não é enviado. Sei que às vezes descrever em meia dúzia de linhas o que nos tomou tanto suor e sacrifício pode ser difícil ou incômodo, mas essa é uma etapa importante do processo de análise. Na primeira edição do Prêmio, recebemos 1.932 originais, o que torna impossível ler tudo até o final. Cada original é examinado, porém a sinopse é importante para que se tenha uma ideia geral do propósito da obra e influi na decisão.


O que é melhor? Mandar o texto agora ou no final?
Na primeira edição, dos 1932 originais enviados, cerca de 600 chegaram no último dia. Boa parte, na última hora, quase à meia noite. É compreensível que os autores queiram burilar o texto até a exaustão, mas enviar os originais antes tem suas vantagens. Como a carga de originais é menor no começo, as pessoas envolvidas no processo de seleção têm mais tempo para análise.

Como é o processo de seleção?
Os originais enviados para o Prêmio Benvirá passam por um exame da equipe de editores do selo Benvirá, os mesmos profissionais que editam os livros de Ficção e Não Ficção da Saraiva. Na primeira edição, dos 1932 textos enviados, 130 foram escolhidos na primeira análise. Houve uma segunda peneirada, ainda mais criteriosa, que deixou na disputa somente 30 originais. Três editores fizeram então sua lista de preferências e, a partir das coincidências nas listas, foram selecionados os 10 finalistas. Estes foram passados à comissão julgadora, que leu os dez originais na íntegra para chegar à decisão final, que tem de ser consensual.

Como o livro será publicado?
No anúncio do vencedor, é feito também um contrato para a edição do livro, nos termos normais de um contrato de publicação. A Editora Saraiva paga ao autor 10% dos direitos autorais sobre o preço de capa de cada exemplar vendido. O dinheiro do prêmio não é descontado dos direitos autorais.

Incide imposto de renda sobre o valor do prêmio?
Sim.

Além do vencedor, outros originais podem ser publicados?
Sim. Na primeira edição do Prêmio, entre os originais enviados, além do vencedor (Nihonjin, de Oscar Nakasato), foram publicados A Casa Iluminada (de Alessandro Thomé, cujos direitos também já foram vendidos ao cinema), Suicidas (de Raphael Montes, um estudante de 20 anos, recém publicado), Queria Tanto (Livia Brazil, que já terá seu segundo romance publicado no ano que vem) e Diante do Abismo (de Benedito Costa Neto).

Quem faz parte da comissão julgadora?
Ela será anunciada em breve, no site da Benvirá, e por meio da imprensa. Oportunamente falarei dela aqui.

Fiquem à vontade para enviar perguntas por aqui ou no canal de dúvidas na Benvirá, em www.benvira.com.br. E boa sorte.








sábado, 18 de agosto de 2012

Dos Passos sobrevive a tudo


John Roderigo dos Passos (1896-1970), um dos expoentes da chamada Geração Perdida da literatura americana, é um dos poucos seres humanos que foram enterrados duas vezes em vida. 

Considerado por muitos críticos de hoje o maior escritor americano de sua geração, e uma geração que tinha Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, Dos Passos teve seus dias de estrela nos primeiros tempos de sua prolífica vida como autor. 

Comunista que vivia insolentemente no maior país capitalista do planeta, conseguia reunir em seus livros a crítica social e análise do seu tempo com uma linguagem renovadora do romance, que incluía recortes de jornais e outros elementos da vida real para compor obras de ficção que, em última análise, refletiam a realidade. 

Capa da revista Time, expoente do Partido, que o utilizava como garoto propaganda da inteligência comunista, Dos Passos caiu em desgraça duas vezes pela mesma postura política.

A primeira vez, quando brigou com o stalinismo, rompimento que se deu durante a Guerra Civil Espanhola, que ele cobriu como repórter. Lá, percebeu que o comunismo real estava longe da cartilha dos idealistas, o que incluira fazer desaparecer, entre as atrocidades da guerra, o professor espanhol Jose Robles, seu amigo pessoal. Afastado do comunismo, que em seu lugar imediatamente entronizou Ernest Hemingway como seu novo ícone, Dos Passos teve as portas fechadas na cara pelos mesmos que antes o aclamavam. Comunista sem lugar no comunismo, foi também sepultado na sequência pelo macartismo, a onda anticomunista, conservadora e liberticida que contaminou os Estados Unidos durante décadas e jogou sua obra e história mais fundo ainda no ostracismo.


Rejeitado por gregos e troianos, como acontece com a grande literatura, ainda mais repleta de significado e importância para seu tempo, Dos Passos e sua obra não desapareceram. Ao contrário, seus livros se tornaram um marco para a literatura moderna. Com auxílio da forma, uma colagem de ficção com a história real, Dos Passos quebra estruturas narrativas convencionais e utiliza a linguagem coloquial para fazer da obra um caos mutante, vibrante e cheio de vida para refletir o caráter do tempo que retrata. Com isso, traz viva a a história americana e do próprio capitalismo.

Numa era em que caem as velhas barreiras, especialmente as do preconceito, seja de direita como de esquerda, a obra de Dos Passos continua importante e atual. As mesmas razões que o levaram a ser jogado para baixo do tapete pelos varredores dos bons ideais agora lhe dão mais brilho no panteão dos grandes autores. A história da imigração na América, o estudo do capitalismo americano por meio de seus personagens anônimos, que ganham vida no romance, constroem algumas das mais extraordinárias páginas da literatura de todos os tempos. Dos Passos, afinal,escapa às definições políticas.

Eu sempre fui um admirador de Dos Passos, pelo seu trabalho como jornalista e escritor, em que uma atividade complementa a outra. Sobretudo, admirei sua postura. Diferente de Hemingway, que com seu peculiar cinismo lhe sugerira que se calasse diante da morte de Robles, Dos Passos sustentou o essencial: preferiu não ceder aos apelos que lhe contrariavam os princípios para manter a fama e conquistar facilidades. Não deixou de ser fiel aos seus propósitos.

Dos Passos ficou de pé, com suas ideias e seus ideais, assim como sua obra. É um prazer agora, como editor, ter a possibilidade de publicar seus livros no Brasil. Os primeiros são Paralelo 42, 1919 e O Grande Capital, títulos esgotados no país há trinta anos. Eles formam a Trilogia USA, considerada uma das obras mais importantes já escritas sobre o fenômeno americano.

Breve deve chegar, também com o selo Benvirá, da Editora Saraiva, Manhattan Transfer, talvez a obra mais famosa de Dos Passos, inédita no Brasil, graças ao esforço de tradução de Ana Luisa Martins, em quase dois anos de trabalho. 

Para vertê-lo ao português, Ana Luisa teve sobretudo que recriar os diálogos dos personagens que reproduzem, em inglês, o sotaque dos migrantes em Nova York, elemento significativo para o propósito da obra, retrato de um país e um mundo híbrido, ou em mutação.

E mais, vamos relançar ano que vem O Brasil em Movimento, reportagem escrita por Dos Passos após uma viagem ao país, em 1963. Nesse caso, uma revisão completa do texto, seguida de anotações de historiadores para complementar os esclarecer informações colhidas no calor do momento fazem desta uma edição também histórica.

Dos passos sobreviveu não apenas ao isolamento político, como sobreviveu á própria morte. Nenhum grande escritor se acaba. Cada vez que um livro é publicado, e encontra um leitor, o autor volta a conversar com alguém, influi e participa no mundo dos vivos, sua marca para sempre. 

Ter Dos Passos no Brasil é uma satisfação ainda maior por isso: manter à luz um grande romancista que nunca se vendeu em nome dos bons princípios e que conta a História para mostrar como se faz dela algo melhor.