quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Dilma chama as sereias do impeachment para bailar

Dilma Rousseff trocou o ministro Levy pelo ministro Barbosa; com isso, jogou fora o fiel da balança, que procurava dar ao governo algum crédito, graças ao compromisso de colocar mais ordem nas contas do governo.

Era uma política recessiva, é verdade, mas o fato é que o governo ficou sem dinheiro; literalmente quebrado, acabou a cornucópia com a qual se incentivava a economia por meio do gasto público, incluindo a distribuição de renda em programas como o Bolsa Família.
Dilma com Barbosa: impossibilidade matemática

Nenhuma política demagógica dá certo no final: pode durar algum tempo, mas a realidade se impõe. E a realidade é que não se cria riqueza por decreto. Com um furo orçamentário na casa do bilhão, Dilma conseguia com Levy algum respaldo por contrariar seu partido, que quer mais do mesmo. Ou seja, ainda mais presença do Estado, gastando o que há muito tempo já não tem.

Não é uma questão de conta, nem de bom senso, nem de trato da gestão pública. É meramente política.Com Levy, o homem do Bradesco, Dilma tinha um certo pacto com a iniciativa privada de que faria o ajuste por conta própria. Sob a espada do processo de impeachment, teria menos pressão contra seu mandato. Ninguém quer ficar com o ônus do ajuste, que é sempre amargo. Dilma já está mesmo queimada: estava ficando, porque ia limpar a própria sujeira.

Só que ela cedeu à pressão de seu próprio partido. O raciocínio do PT é de que na atual situação, é tudo ou nada. Que o ônus fique para o próximo, então. Com Barbosa, pretende-se retormar algum tipo de desenvolvimento, dentro da filosofia de que é possível conciliar estímulo do Estado à economia com controle fiscal. Na situação em que estamos, isso é uma impossibilidade matemática que vai contra qualquer análise mais racional.

Cedendo aos apelos de seu partido, Dilma se torna novamente vulnerável. Ao declarar que não vai fazer o ajuste como precisaria ser feito, vai retornar ao curso que a levou à beira do abismo. Só que agora pode estar apressando sua vida no Planalto.

Por mais que se cerque o processo do impeachment de minuetos institucionais, é certo que a situação econômica tem um peso relevante no seu andamento. Collor caiu assim. Não havia prova direta do seu envolvimento nas negociatas de PC Farias. Porém, com o Brasil embicando para o desastre, as forças populares indignadas juntaram-se ao que realmente faz diferença, que é a vontade das elites. E estas, no Congresso, o forçaram à renúncia.

Todos sabem que o Brasil não pode ficar assim por mais três anos, até porque vai piorar. E que, quanto mais rápido o ajuste, melhor. Se Dilma dá sinal de que não vai mais fazê-lo, para jogar o ônus ao seu sucessor, está colocando sua posição sob risco ainda maior. As elites brasileiras não vão esperar mais três anos de aprofundamento da crise. Têm os instrumentos para isso, com seus representantes no Congresso, muito bem remunerados.

 Na prática, a presidente está chamando as sereias do impeachment para bailar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Hemingway e um bangalô na mata


Quando vi a casa pela primeira vez, pensei: é aqui que eu vou ficar.

Nem pensava em comprar uma casa. Ou melhor, queria algum lugar que tivesse alguma coisa que eu ainda não sabia bem o que era. Uma casa no meio da mata. Isolamento. Mas algo acolhedor. Uma casa para um escritor.

Casas são muito importantes para quem escreve, pois escritores passam muito tempo dentro delas. Precisam contar histórias, porque é isso o que fazemos. Ali nos cercamos das nossas coisas, das nossas histórias. Um ambiente favorável a sermos nós mesmos. À criação.

Hemingway adorava casas. Visitei a de Key West. Por pouco não vi a de Cuba (estava fechada). Para ter uma casa, Hemingway gastava o dinheiro que não tinha e realizava projetos mirabolantes. Jack London comprou uma fazenda perto de São Francisco, que dizia ser uma futura fazenda modelo, mais um de seus projetos brancaleones. A casa pegou fogo pouco antes da inauguração.

A Casa da Mata, como eu a chamo, foi construída há cerca de doze anos pelo ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Yoshiaki Nakano, professor de economia da USP. Ele e a mulher começaram ao redor dela o jardim japonês conservado até hoje. Um homem de bom gosto, o jornalista Antônio Telles, diretor de jornalismo da TV Bandeirantes e apresentador do Canal Livre, reformou-a com grandes vidros para a luz e a paisagem e lixou-a inteira para substituir o verniz grosso e brilhante com um fosco, mais elegante.

Minha contribuição foi fazer tudo funcionar, incluindo a piscina, pouco utilizada a quase 1700 metros de altitude. E coloquei ali o que faltava: a literatura. No final, balançando na rede da varanda, entendi porque gostara daquela casa desde o início. A construção, feita pela hoje falida Casema, especializada em casas pré-fabricadas, para as quais utilizava um tipo de madeira que hoje já não existe disponível, é na realidade um bangalô ao estilo inglês. Como muitos que vi na África, onde os ingleses colonizadores procuravam manter viva sua civilização num ambiente agreste. E como a de Tarzan, meu ídolo de criança na literatura, que gostava de viver seminu na jângal, mas tinha uma fazenda onde morava com Jane, num bangalô que na minha imaginação é exatamente como este.

Ali terminei A Conquista do Brasil, livro de história hoje nas livrarias, editado pela Planeta. Ali escrevi meu próximo romance, que deve sair em 2016 pela mesma editora. E ali comecei e terminei um livro muito pessoal.

Como em tudo o que fazemos, até mesmo a casa é uma escolha literária. Não deve ter sido fácil morar em Cuba  ou Key West nos tempos de Hemingway. A Casa da Mata fica longe e não tem internet. É uma ilha na modernidade. Mas tudo bem. Escrever só vale a pena quando vivemos pelo que escrevemos, seguimos os sonhos e não há diferença entre o que somos e como queríamos ser.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Um pano, um romance e as mulheres

Eu tinha dezesseis anos de idade quando viajei com meu pai a Macchu Picchu, no Peru - por terra. Fizemos o célebre caminho que incluía as mais de 30 torturantes horas no Trem da Morte, partindo de Quijarro até Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Fomos e voltamos pelo mesmo caminho, de trem, avião, caminhão, ônibus, a pé - incluindo andar por um bom pedaço do deserto no altiplano. A história renderia um romance, Campo de Estrelas, publicado em 2005 pela editora Globo e que se pode encontrar hoje em e-book aqui.

http://www.amazon.com.br/Campo-Estrelas-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00EDXV2S4/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1435865130&sr=8-1&keywords=campo+de+estrelas

Na volta, depois de uma noite demoníaca dentro de um ônibus superlotado, em que ficamos presos na última fileira, molhados a uma temperatura bem abaixo de zero, paramos em Puno, no Peru. Lá comemos o ceviche original, com o Peixe-Rei, exclusividade do Titicaca, cozinhado no limão com cebola e pimenta - uma delícia para o paladar e uma prova de fogo para o sistema digestivo. Na frente do boteco onde fizemos o repasto, uma feira das muitas que havia em toda a Bolívia e o Peru, com suas cholas sentadas vendendo artesanato. Ali, me encantei pelas cores de um auayo - o pano com que as nativas carregam as crianças nas costas onde quer que vão. Um costume antigo, como vimos pelos auayos nas paredes do Museu de Arqueologia em La Paz.

Comprei. Para mim, o auayo não somente era uma peça de vestuário ou utilitária, como também o símbolo daquelas mulheres, que antes de qualquer coisa eram mães. Levavam suas crianças como cangurus, admiravelmente sem se queixar, às vezes em longas viagens (os bolivianos parecem nômades, estão sempre em movimento), nas condições mais adversas.

Guardei aquilo como uma lembrança de viagem. Mais tarde, dei o auayo de presente a uma namorada, que para mim era também uma mulher e mãe admirável. Quando nos separamos, ela achou por bem me devolver o presente, dizendo que eu deveria dá-lo a uma mulher definitiva, a quem realmente caberia aquela peça.

Fiquei novamente com o auayo, mas não poderia dar novamente a alguém um presente que já havia sido de outra pessoa. Ficou comigo e andou de casa em casa até finalmente achar o seu lugar, mais de trinta anos depois, no meu quarto na Casa da Mata, onde se encontra até hoje. É uma boa lembrança, ligada tanto ao romance que escrevi como a um romance na vida real e, sobretudo, à imagem que tenho das mulheres.

Funciona como um retrato da bravura, do amor e da força feminina, que permanecem para mim como ideal admirável.