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quarta-feira, 13 de março de 2013

Os dez melhores filmes de todos os tempos

O cinema está tão perto da literatura que ambos para mim são uma coisa só: a arte de contar histórias escrevendo produz imagens, e as imagens para mim se tornam como referências literárias. Segue aqui a minha lista de filmes preferidos, que para mim vale como a lista dos dez melhores filmes de todos os tempos. Assim como a lista dos dez melhores livros, cada um deve ter a sua. Fica esta como inspiração.

1. Cidadão Kane. Pode parecer óbvio citar este que tantos consideram o melhor filme de todos os tempos, pela novidade narrativa (um filme de ficção feito como se fosse um documentário), a força elementar da ideia central (o significado de "Rosebud", somente revelado ao final), e sua ligação com a questão essencial da felicidade. Os clichês sempre têm um fundo de razão. O delírio de poder e dinheiro do milionário Kane, barão da imprensa, é confrontado com sua solidão final. A ironia é que o repórter em busca da resposta para o enigma de Kane jamais a encontra - ela fica como uma espécie de segredo reservado ao espectador.



2. Zabriskie Point. A obra prima de Antonioni, sobre um estudante que foge da polícia, encontra uma mulher no deserto e tem com ela um parênteses de amor, é uma elegia da liberdade. O final antológico ainda me faz palpitar o coração. O mundo sempre quer enquadrar o indivíduo, submetê-lo; nenhum outro filme representa tão bem a liberdade, nem mostra como ela está perto da paixão. Pelo tema, e também a estética, ele é também o expoente de uma geração marcada pelos movimentos de libertação, fosse contra as ditaduras que havia pelo mundo como dos costumes, desde a roupa ao Woman's Lib. Se querem saber como a geração de 1960 mudou o mundo, este filme mostra qual era a sua força interior.



3. O Esporte Favorito do Homem. Estrelado por Rock Hudson e Paula Prentiss, é uma deliciosa comédia sobre um expert de equipamento de pesca convidado por uma charmosa e desastrada marqueteira a participar de um torneio num lago turístico. Até mesmo eu não entendo bem o fascínio que esse filme exerce sobre mim, ainda mais sendo uma comédia aparentemente sem maiores pretensões. Acredito porém, que o motivo seja esse: ele é uma parábola irresistível sobre a inevitabilidade do amor, a conexão entre duas pessoas que aparentemente se detestam, e a natureza paradoxal da ligação entre homem e mulher, cujo encontro sempre parece ir além das coincidências, como uma prova da existência do destino. Isso contado sem nenhum intelectualismo, mas com a graça que deveria haver em todos os relacionamentos amorosos.



4. Blade Runner. Este é o filme que marcou minha geração; perdi a conta do número de vezes que o assisti, e sempre encontro nele alguma coisa de novo. Tenho certeza de que nem Ridley Scott se deu conta, quando o fez, da importância que esse filme teria; não é por acaso que tenha gerado tanta discussão ao longo dos anos. Persistem ainda duas montagens, uma feita pelo estúdio, no seu lançamento, outra que é chamada de "a versão do diretor". Eu gosto de ambas as versões, embora nos últimos anos tenha preferido a do diretor, que é mais sutil, e ao mesmo tempo mais abrupta e cruel. A ideia dos androides que adquirem sentimento e querem mais tempo para viver pode parecer um antigo clichê, mas a criação de um futuro onde o passado faz parte do cenário, do bairro chinês às bicicletas, o clima chuvoso de um planeta que se tornou inóspito, e sobretudo o personagem central, um detetive noir, fazem dele uma espécie de quebra cabeça cultural onde entretenimento puro e filosofia se fundem de um jeito que até parece natural. E é cheio de momentos antológicos, como o encontro do ciborgue assassino com seu criador, parábola de um encontro do Homem com Deus, sua declaração no momento da morte ("lágrimas na chuva") e a frase final que fecha o filme, de um impacto macabro que não fala somente ao personagem, mas a todos nós.



5. Os Embalos de Sábado À Noite. Clássico de um tipo de cinema considerado trash, foi um estrondoso sucesso de bilheteria e um fenômeno de massa em seu lançamento, que mudou o comportamento de toda uma geração. O que mais chamava a atenção eram os malabarismos de John Travolta ao som de Saturday Night Fever, mas o que o filme representava era a possibilidade de um sujeito comum e sem esperança de melhorar de vida e se tornar alguma coisa diferente - um nome com significado, por meio de um talento especial. Isso teve um impacto expressivo em todos aqueles garotos que viviam na periferia, como não mais que um número de RG. E que achavam que, como Tony Manero, poderiam sonhar com alguma coisa, numa época em que a sociedade de consumo de massa e a busca pelo hit alcançavam o seu auge. O figurino datado, a estética brega, os diálogos que hoje soam bisonhos retratam uma época que não existe mais; talvez esses sonhos de fama e riqueza também sejam hoje coisa do passado, ilusão passageira daqueles que, como eu, gostariam de recuperar esse tempo em que tudo era possível, até mesmo ser inocente.



6. O Cão Andaluz. Lembro quando vi o filme de Buñuel, quado ainda estava na faculdade, em uma sessão na Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo. O filme ainda causava escândalo, embora por razões diferentes das que provocara no seu lançamento. O gerente teve de vir à plateia irada, explicar que a projeção não havia sido interrompida de repente; para exasperação do público que reclamava seu dinheiro de volta, revelou que a obra prima do surrealismo tinha, de fato, apenas 20 minutos. Esse delírio que tanta gente buscou inutilmente explicar, onde Salvador Dali aparece puxando um burro morto dentro de um apartamento e um olho é cortado a navalha, numa sequência de cenas absurdas, foi feito para não ter sentido, ou para chocar; é uma provocação à imaginação, a ver diferente, a abandonar a necessidade humana de explicação para tudo; é uma elegia do caos universal, uma desconstrução do que sabemos. Por isso, mostra que a tarefa humana é desaprender, para entender melhor: nenhuma outra obra de criação tem esse peso intelectual, estético e histórico.



7. O Gabinete do Doutor Caligari. O impressionismo alemão nos deu essa pérola, que nos faz ver como podemos nos acostumar com a loucura; ao nos fazer entrar na realidade do louco, ao ponto de parecer a normalidade, passamos a duvidar de tudo, sobretudo de nós mesmos. Uma das grandes tarefas do cinema, a meu ver, é nos fazer mudar de perspectiva; seja para entrar no mundo do sonho, da fantasia, ou mesmo da loucura, seja para quebrar conceitos e pensamentos pré-estabelecidos como para entender o outro e anós mesmos; aí ele se transforma em arte. Com isso, abrem-se novas portas; ver diferente, quebrar paradigmas, é o que faz a sociedade dar novos saltos, assim como permite aos indivíduos compreender melhor uns aos outros, fugir da mesmice e encontrar melhores caminhos.


8. Amarcord. Federico Fellini fez grandes filmes, mas entre eles este é meu preferido, pela sua leveza; o retrato de um pequeno paese italiano, onde os humores, os sentimentos e o próprio modo de vida mudam conforme a estação é uma amostra perfeita do que é a Humanidade; faz com que entendamos como somos parte do mundo e, embora o homem tenha fundado sua subsistência no artifício das cidades e das máquinas, se integra à natureza em espírito. É um filme, por isso, instigante e cheio de humanidade; o gênio de Fellini em encontrar a beleza e a extravagância no cotidiano faz a gente olhar com mais atenção e enxergar de verdade a vida ao nosso redor.



9. Doutor Jivago. Um épico em todas as suas dimensões, mostra ao mesmo tempo a grandeza e a iniquidade da vida; a história do médico que encontra a ruína e a felicidade, ainda que breve, as trapaças do destino, a crueza da realidade, a beleza do momento; há pouca coisa que faz o fascínio, o drama e a complexidade da vida que não esteja dentro desse filme. Julie Christie, como está aqui, é a mulher mais bela que já vi no cinema; nem mesmo a interpretação lacrimosa de Omar Sharif tira a força da história de Pasternak. E são inesquecíveis os cenários grandiosos, como a cabana mergulhada na neve onde se realiza o amor de Jivago e Lara, da qual eu não consigo me lembrar sem ouvir o lírico som da balalaica.



10. 2001, uma Odisseia no Espaço. Stanley Kubrick só fez grandes filmes; todos eles poderiam estar numa lista dos melhores de todos os tempos, assim como todos os romances de Gabriel Garcia Marquez estariam numa lista dos melhores livros. A visão de passado e futuro como uma coisa só, numa espécie de cosmogonia, porém, faz com que este seja seu trabalho mais ambicioso. Recentemente, tenho pensando também em como Kubrick foi profético. As panes de computador, que hoje fazem aviões caírem, e carros acelerarem em vez de brecar, tornam bem realista o HAL - o computador de bordo que toma conta da nave e passa a matar seus tripulantes. Um filme ainda misterioso, intrigante, com um ritmo que nos obriga a entrar em outra dimensão, e que esteticamente não envelheceu, mesmo com a visão bem mais precisa que temos hoje do espaço; esta é aquela obra de arte que qualquer criador gostaria de ter feito, ainda que forneça mais perguntas que respostas. Porém... Não será assim a vida?