quinta-feira, 31 de julho de 2014

Redford e Fonda: o bom finalmente é marginal



Nos últimos tempos, assisti a três grandes filmes, estrelados por astros do cinema que tiveram seu auge nos anos 1.960-1970: Robert Redford e Jane Fonda. Ambos têm muita coisa em comum. Representaram no passado uma geração de artistas ligados nos Estados Unidos aos movimentos de protesto, à contracultura, e mesmo assim sempre foram estrelas do cinema mainstream. Ambos foram sempre celebrados por sua beleza na juventude. Ambos protagonizaram alguns grandes clássicos do cinema. Ambos, especialmente Jane, filha de outro astro, Henry Fonda, são tão parte da indústria do cinema quanto a Paramount ou a 20th Century Fox.

Agora, eles têm mais coisas em comum. Uma delas é que continuam em grande forma. Ambos envelheceram bem. E têm feito bons filmes.

Redford, que criou e promoveu o Sundance, maior festival de cinema alternativo, e foi celebrizado por clássicos como Butch cassidy & Sundance Kid, ou Todos os Homens do Presidente, fez recentemente dois filmes excelentes. Um deles, Sem Proteção (cuja romance, de Neil Gordon, lancei no Brasil, como editor da Saraiva), conta a história de um ex-guerrilheiro foragido que é obrigado a revelar sua identidade por conta de um problema com o filho. Seu filme mais recente, Até o Fim, é uma poderosa história sobre um náufrago que praticamente não precisa de palavras para ser contada.

Fonda está em Paz, Amor e Muito Mais, uma comédia sentimental primorosa, em que faz um papel bastante ligado a ela mesma. A estrela de Amargo Regresso, Julia e outros papéis que lhe deram 7 Oscars, agora já uma senhora, vive a mãe de uma advogada que se ressente de sua opção pela vida hippie, a vida sexual livre e a plantação de maconha debaixo da casa, mesmo que tudo isso já pareça fora de moda. A pergunta que a personagem faz à filha (“o que fiz de tão grave que não posso ter o seu perdão?”) ressoa alto para gente como eu, que se coloca a mesma questão diante de familiares que nunca deixam de alimentar a raiva ou rancor.

Redford e Fonda têm ainda uma terceira coisa em comum. Nenhum de seus mais recentes filmes entrou em grande circuito. Mesmo sendo ótimos, passaram direto para a TV a cabo ou o DVD, onde podem ser vistos hoje. Finalmente conseguiram, de fato, ser alternativos, ou marginais. Seus filmes nem sequer chegaram aos cinemas.

Claro que isso se explica. A disputa hoje por espaço nos cinemas é muito grande. E os executivos do cinema talvez tenham outras prioridades. Talvez achem que os grandes astros do passado não tenham mais o mesmo apelo. Talvez os filmes que eles fazem hoje sejam finos demais para a maior parte do público atual. Talvez hoje as pessoas prefiram menos arte, e mais entretenimento. Talvez as pessoas se interessem cada vez menos pelo relacionamento humano, e procurem no cinema somente qualquer coisa cheia de efeitos especiais. Talvez a Humanidade tenha caído um degrau na escala evolutiva em certos aspectos.

De todo modo, Redford e Fonda continuam aí, para quem quer diversão e arte. Se a mídia digital trouxe um grande bem, é a possibilidade de se ter acesso a tudo, de alguma forma. Inclusive ao que é vintage e o que é bom.


Os tigres e nós, os imprudentes



Uma vez fui ao Circo Garcia, em São Paulo. Estava passeando do lado de fora, na hora do intervalo, e vi o dono do circo sentado num tablado, ao lado de um tigre branco, apoiado nos quatro cotovelos.

- Quer dar um abraço nele? - ele me perguntou, com sotaque castelhano.

Meio ressabiado, fui lá. Dei um abraço no tigre. Foi gostoso, um gatão peludo, mais aquela sensação do perigo. Perguntei se o tigre tomava algum remédio pra ficar calminho. O homem ficou bravo. Balançou a varinha e fez o bichão ficar de pé, para mostrar que estava bem esperto. O tigre levantou nas patas traseiras, ficou maior que um armário, um armário siberiano, e colocou as mãos nos ombros dele.

O menino do zoológico de Cascavel foi imprudente. Assim como o pai dele. Todos não somos, alguma vez na vida? Talvez ele tenha tido sorte. Saiu com vida.

Pensamentos de quem já abraçou um tigre.

PS: E o zoológico, não foi imprudente, de fazer uma jaula assim acessível e sem fiscalização? Estão jogando a culpa no pai, mas e eles?

Edir Macedo e o Templo de Salomão



Eu sou um dos pouquíssimos jornalistas que já tiveram a oportunidade de entrevistar e conhecer pessoalmente o bispo Edir Macedo. Fui recebido por ele quando trabalhava no grupo Exame, anos atrás. Ele havia acabado de comprar a TV Record e, depois de muita insistência, concordou que eu escrevesse um perfil falando dele, de sua igreja e da maneira como a organizava.

Edir chamava a atenção já no aperto de mão. Vítima de uma má-formação, ele possui em ambas as mãos o polegar diminuto e a pele escamosa; a sensação foi de que eu apertava uma rã. Parece apenas um detalhe bizarro, mas a deformidade de Edir tem um papel fundamental em sua história pessoal. Ele se culpava, ou a genes ruins, por ter tido uma filha com lábio leporino. Buscara ajuda na igreja católica, mas não encontrava consolo. Nas reuniões às quais ia, percebeu que mais ajudava as outras pessoas do que era ajudado. E resolver fundar sua própria igreja, primeiro subindo nas favelas do Rio de Janeiro, depois pregando no seu primeiro centro de culto, uma loja aonde antes funcionava uma funerária.

A igreja criada por Edir é um reflexo dele mesmo, uma panaceia que junta retalhos de outras fés. Embora sua base seja o Evangelho e a figura de Jesus, como a maioria das seitas pentecostais, Edir misturou outros elementos, da encenação do candomblé, com o exorcismo de pessoas supostamente tomadas pelo demônio, às raízes judaicas do Velho Testamento. Lá está o templo de Salomão, conhecido como o “rei da sabedoria”, na verdade uma figura controvertida na própria visão bíblica. No Livro de Salomão, a sabedoria terrena na verdade é vista criticamente, como a “vaidade das vaidades”, em oposição à simplicidade da fé.

Sem importar-se em ser um teólogo capaz de fazer sentido, Edir é na realidade um motivador de pessoas – aí reside seu talento. Essa virtude lhe permitiu não só conquistar acólitos como também ser um extraordinário formador de quadros capazes de ampliar seu raio de ação. É impressionante sua capacidade de produzir “bispos” e pastores fiéis ao seu discurso, gestual e ideias. Graças ao seu trabalho de RH, Edir fez a Universal prosperar rapidamente no Brasil e mundo afora.

É também um pastor com tino de empresário. Para mim, reclamou que a igreja era vista pela imprensa ingenuamente como uma exploradora do povo mais pobre. Para começar, dizia que não era o miserável que sustentava a Universal. Na verdade ele enxergara um mercado: o trabalhador que tinha emprego e renda, mas nenhuma perspectiva de subir na vida, por falta de oportunidade. Seu discurso sempre foi de que esse trabalhador pode conseguir mais, se tiver fé; ele tem dinheiro para pagar o dízimo, e a fé que o inspira é uma “fé de resultados” capaz de levá-lo a uma vida melhor.

A ideia de que ganhamos um lugar no Paraíso além da vida, pregada pela Igreja Católica, nunca foi suficiente para Edir. Ele sempre acreditou que a igreja tem de dar respostas para o ser humano ainda em vida. Sua igreja é pragmática e não há dúvida de que ajuda muita gente. Edir é polêmico porque é impossível medir a relação entre o benefício que sua igreja traz aos seus acólitos e o quanto do dinheiro arrecadado vai em benefício pessoal de seus bispos e pastores. Edir não vê nisso conflito de interesses, porque nunca pregou o discurso da vida ascética nem defendeu qualquer espécie de voto de pobreza.

Edir já foi preso por falsa ideologia, mas não apenas foi solto como o juiz que mandou prendê-lo (por sinal com um nome bíblico, Abrão), acabou sendo afastado para um forum na periferia de São Paulo - foi para a geladeira. O que era uma suposta defesa do público empreendida pelo justiceiro togado acabou virando, aos olhos do Judiciário, uma inútil perseguição. Não se pode subestimar as pessoas que seguem a Universal, que têm o direito de escolher, apoiar, pagar e professar a fé que quiserem, por mais descabida que possa parecer. E assim Edir vai conseguindo edificar o seu império, do qual o Tempo de Salomão, construção de proporções bíblicas numa das zonas mais abandonadas do centro de São Paulo, é apenas o mais novo, extravagante e significativo símbolo.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O que mudou no futebol - e a seleção não entendeu



O que mais impressionou na última Copa do Mundo foi a compleição física dos jogadores de todas as seleções, destacada pelas camisas colantes, que fizeram a alegria da torcida feminina. Com a ajuda dos computadores, ficamos sabendo que os atletas corriam entre 8 e 13 quilômetros por partida. É mais ou menos o que corre um maratonista, dentro do tempo de uma partida de futebol.

O desenvolvimento físico dos atletas fez o jogo se tornar mais dinâmico. É preciso passar a bola rápido, porque com a capacidade física aumentada, o adversário chega mais depressa para tomar a bola ou se antecipar. A bola tem de sair mais forte - no time da Alemanha, cada passe parecia parecia mais um chute a gol.

Com a transformação dos jogadores em atletas olímpicos, diminuíram os espaços em campo. Com isso, além da velocidade da bola para o passe, uma jogada que havia algum tempo andava desaparecida do futebol começou a retornar: a tabelinha. É preciso tocar a bola rápido e tramar em jogadas curtas para se livrar da floresta de adversários que rapidamente recompõem a defesa. O futebol de campo se aproximou do futebol de salão, onde os espaços são exíguos.

Esses são os elementos principais que faltaram ao futebol brasileiro, que caiu diante da Alemanha não apenas por falência psicológica. Caiu, e feio, porque os alemães jogaram um futebol adequado às condições do esporte hoje. A maioria dos gols alemães veio de trocas rápidas de passe. Os gols alemães e o próprio resultado do jogo foram de futebol de salão, um esporte que os brasileiros inventaram. Mas não percebemos sua importância no futebol de campo de hoje.

O Brasil jogou um futebol mecânico e antigo, pesado na defesa e lento na retomada do ataque. Com tempo para se fechar, os adversários dificultaram a ação dos nossos atacantes. O Brasil não precisa apenas se reerguer moralmente. Temos de entender que nós inventamos as qualidades que são necessárias no futebol moderno e voltar a praticá-las. A troca de bola em espaço curto, o drible, a troca rápida de passes sempre foram características do futebol brasileiro. E hoje vemos isso mais nos times europeus que no Brasil.

Gareca, o técnico argentino do Palmeiras, disse aos jogadores argentinos que está trazendo para o clube que se darão bem no futebol brasileiro, porque aqui os adversários dão muito mais espaço para jogar. O técnico da Fiorentina, Vincenzo Montella, que veio disputar um amistoso com o próprio Palmeiras no Brasil, disse o mesmo. Não é coincidência. Eles observam. E têm razão. Graças a técnicos incapazes de enxergar o que está acontecendo, esquecemos de jogar o nosso próprio futebol. Assistir aos jogos do Brasileirão, depois da Copa, virou uma chatice. Parece que as partidas são em câmera lenta.

Dar espaço na defesa e subir sonolentamente para o ataque são a antítese do futebol moderno, nestes tempos em que qualquer jogador poderia estar disputando a prova de 100 metros rasos ou a meia maratona. Ou o Brasil enxerga isso, ou continuaremos a ter dificuldades diante de seleções que sempre foram menores, como Chile e México, e apanharemos feio daqueles que, além dessa dinâmica, possuem também algum talento.

A Copa não foi apenas uma lição moral. Temos de aceitar que foi também uma aula de futebol.

A bestialidade humana



Há um fogo cruzado na imprensa e nas redes sociais,pró-israelenses dizendo que a culpa é do movimento palestino terrorista Hamas, pró-palestinos dizendo que a culpa é dos israelenses. Enquanto isso, ontem morreram dezenove crianças num bombardeio na faixa de Gaza, enquanto dormiam num abrigo da ONU.

A morte de crianças revela a única verdade, que abrange um e outro lado da disputa: todos são culpados. Uma vez que a intolerância e obscurantismo se armam, e se passa à guerra, sob qualquer pretexto, todos os lados perdem a razão. A guerra mostra apenas a bestialidade humana, nossa natureza mais feroz, aquela que deveríamos ter controlado quando decidimos levantar a cabeça, ser diferentes dos animais e construir uma civilização.

São criminosos os que colocam civis como escudo para terroristas, como são criminosos os que não se importam com qualquer tipo de barreira para eliminar o inimigo. São criminosos os indivíduos que instalam o terrorismo, e é criminoso o terrorismo de Estado.

Em pleno Século XXI, em que tantos avanços foram feitos graças ao pensamento iluminista e à tecnologia, a maior ameaça mundial continua a ser o barbarismo oriundo da intolerância e do radicalismo religioso, que remontam à era tribal. Eu, que estudei a Bíblia para escrever um romance sobre a formação do povo judeu (O Homem que Falava com Deus), pesquisei na Jerusalém de hoje costumes e ideias preservados há milênios para produzir um romance histórico, porque os componentes mais primitivos da beligerância religiosa estão todos lá.

Os judeus cultuam o mito de uma raça pura, advinda de um único ancestral, escolhida por Deus, e fundaram ao redor desse mito uma Estado militarizado voltado para a guerra e disposto a tudo para prevalecer. Um grande livro, que tive a oportunidade de lançar como editor (A Invenção do Povo Judeu, do professor judeu Shlomo Sand, um heroi de guerra, professor de História na Universidade de Tel Aviv) mostra como na verdade os judeus são um povo miscigenado, formado ao longo dos séculos, que bem poderia entender suas raízes históricas para construir ao seu redor um mundo mais pacífico.

Por sua vez, os palestinos, que sempre estiveram por ali mesmo, também foram incapazes de conciliar suas crenças com a tolerância na vida terrena. Ainda mais agora, em que o radicalismo islâmico produziu uma força tão cega e feroz quanto a de seus adversários.

Este planeta é pequeno para a ambição humana. A incapacidade de dividir, de conviver, de tolerar, de respeitar as ideias, crenças e costumes do próximo sempre foram nossa perdição. Estamos de volta às cruzadas, quando os guerreiros usavam lanças e travavam batalhas a cavalo, pois o problema continua o mesmo.

A pobreza crescente faz com que a população carente se apegue às ideias mais retrógradas, patrocinadoras do único culto universal, que é o culto da raiva. E o pobre é, no fim das contas, a maior vítima desse tipo de disputa. Sim, porque os ricos não estão lá, morrendo em abrigos, ou levando tiros nas trincheiras.

Como desarmar os espíritos, quando chegamos a este ponto? Como levantar bandeiras de paz? Como restituir a civilidade a uma sociedade retornando à bestialização completa, desta vez não com pedras e espetos de pau, mas com mísseis de longo alcance?

Olhemos para os corpos das crianças, amontoadas como lixo entre os escombros. Ali está a resposta.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Uma estrela da literatura brasileira



João Ubaldo Ribeiro escreveu sua obra maior, Viva o Povo Brasileiro, numa velha máquina de escrever, um aparelho mecânico, assestado sobre um caixote de madeira, na Ilha de Itaparica, sua terra natal. Dali saiu com um calhamaço debaixo do braço para o Rio de Janeiro, onde ficam as grandes editoras de livros e a aura de que precisam os escritores. E se tornou sem sombra de dúvida o maior escritor brasileiro contemporâneo.

Nunca mais João Ubaldo escreveu um livro tão bom, ambicioso e vasto quanto Viva o Povo Brasileiro. Ele era baiano e, embora gostasse de escrever, tinha preguiça de trabalhar, quanto mais num livro do mesmo calibre. Levei muito tempo para convencê-lo a escrever uma simples crônica, na época em que dirigia a revista VIP, e lancei uma série de relatos de viagem de escritores que acabaram reunidos em livro (Viagem Inteligente, da Geração Editorial). Antônio Callado, em seus últimos tempos de vida, escreveu sobre Roma. Lygia Fagundes Telles sobre Estocolmo. Luis Fernando Veríssimo, sobre Paris. Ubaldo, a muito custo, escreveu sobre Berlim, onde passara uma temporada, com uma bolsa do governo alemão. No texto, em que discorria sobre hábitos estranhos dos alemães, como nadar pelados no frio extremo, deixava o que foi a sua marca como cronista: a ironia, o bom humor, a observação arguta, e um ponto de vista que sempre tinha algo da velha baianidade.

Ubaldo não escreveu muitos grandes romances, nem deixou grandes personagens, como Gabriela e Tieta, de Jorge Amado. Porém, escrevia magicamente bem, e a marca da ironia e do fino pensamento fizeram da sua leitura sempre um enorme prazer. Dizia que, antes de começar a escrever, rezava um padre-nosso. A inspiração, embora seja um dom natural, ou resultado do trabalho, parece precisar sempre de certa interferência divina para fazer o bom texto acontecer. E ele dependia daquilo, porque vivia apenas de escrever, embora fosse formado em Direito, e não gostasse muito do trabalho árduo, como é o ofício de escrever.

Os livros secundários de Ubaldo, como O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos e sobretudo Sargento Getúlio, um primor do minimalismo literário, misto de ensaio político e humano, levados ao cinema e à TV, fizeram dele um escritor mais completo. Em Viva o Povo Brasileiro, narrativa histórica que dá dimensão não apenas à obra mas à formação da sociedade brasileira, Ubaldo se fez não apenas como romancista, mas um escritor ligado ao Brasil, que explica o Brasil, e forma o Brasil.

Por muitos anos, Ubaldo lidou com problemas de saúde, especialmente os ligados ao alcoolismo, que o deixou à morte. Para mim, era mais um caso comprovador de que ser escritor não se trata de escrever nem de ser publicado ou reconhecido, é viver no extremo do conflito existencial. Diante da luta contra o inevitável, da certeza de que a batalha da vida sempre é perdida, o escritor se lança numa jornada interior que só pode ser aliviada pelo desabafo das letras. E se torna, muitas vezes, um processo autodestrutivo.

Ubaldo sabia que, como qualquer outra coisa, a literatura é inútil para nos manter vivos. Ao morrer nesta madrugada, vitimado por complicações respiratórias, fechou aos 73 anos o capítulo que temera desde sempre. Ressentia-se de que sua obra pregressa tinha desaparecido das livrarias e de nunca ter sido tratado da mesma forma que as estrelas estrangeiras nas festas literárias aqui mesmo dentro do Brasil. João Ubaldo Ribeiro, porém, foi uma estrela da literatura brasileira, à qual ele deu mais brilho. E agora pode descansar no seu firmamento.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A batalha no Brasil



A Alemanha não venceu a Copa porque foi o time mais organizado e de melhor futebol. Teve sorte. O gol no final da prorrogação saiu de um lance igual a outros em que a bola foi perdida. E a Argentina, aguerrida e melhor em grande parte do jogo, levou um castigo imerecido, se contarmos só a partida final.

Revi há pouco no YouTube Brasil 2x0 Alemanha na final de 2002. O Brasil tinha grandes craques, sobrou no torneio e voava em campo na decisão. venceu de forma categórica. Na decisão de ontem, ambos os times estavam esgotados pela campanha. Física e psicologicamente. Não houve superioridade clara. Esta Copa foi feita de grandes lutas, uma verdadeira batalha.

Os alemães trabalharam bem para ser campeões. Mas na final, quando já fraquejavam, dependeram da sorte para vencer.
No fim foi foi justo; mas ficou a triste sensação de que, com um comando melhor, que organizasse o nosso time e lhe desse a tranquilidade necessária, poderíamos ter ganho.

O Brasil fez uma bela Copa e ainda tem o melhor futebol do mundo. Precisamos apenas de um comando mais moderno, mais realista e eficaz. Nisso os alemães deram seu show. Num time sem um destaque muito evidente, o time era um verdadeiro conjunto, como peças que fazem um relógio. Faltou essa capacidade à nossa comissão técnica, assim como humildade, para rever erros, principalmente quando ainda havia tempo para isso.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As coisas podiam ter sido diferentes



Você acredita em teorias da conspiração? Eu não, mas fico pensando no que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferentes.

Se a Fifa não tivesse trocado o critério da formação das chaves, colocando como cabeças-de-chave seleções como Colômbia e Bélgica, será que os times mais fortes e tradicionais como Itália, Espanha, Uruguai e Alemanha ficariam todos amontoados do lado do Brasil, como aconteceu? Será que o Brasil pegaria a Alemanha na semifinal? E se com outro chaveamento pegasse a Alemanha somente na final, as coisas não poderiam ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse examinado os vídeos e advertido os juízes de que os adversários estavam procurando quebrar Neymar no primeiro lance de cada partida, será que não teria havido jogadores advertidos ou expulsos? Será que Neymar teria ido parar no hospital?

Se a Fifa tivesse sido tão rigorosa com o jogador da Colômbia que tirou Neymar do futebol, como foi com Luizito Suárez, não daria menos a impressão de ter sido leniente com o que fizeram com o jogador brasileiro? Se Neymar tivesse jogado a semifinal, as coisas não podiam talvez ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse punido o lateral da Colômbia, ou jogadores da França que aplicaram diretos no queixo contra adversários, será que ainda estaríamos com essa impressão de que a Fifa agiu precisamente para tirar Luizito e o Uruguai da Copa?

Se fossem coibidas essas rodas de apostas milionárias, em que um sheik árabe ganhou 2 bilhões de dólares (repito, 2 bilhões) por apostar que o Brasil perderia de 7 a 1 para a Alemanha, não teríamos menos razões para temer a circulação de malas pretas vultuosas para jogadores?

Se não fosse permitida tanta influência dos interesses comerciais em jogo, com agentes e grandes patrocinadores por trás de cada jogador, das seleções e da própria Fifa, poderíamos ter mais certeza da lisura no esporte? As coisas não seriam diferentes?

Se os cambistas que vendiam ingressos no mercado negro não estivessem hospedados no Copacabana Palace, o mesmo dos diretores da Fifa, não teríamos menos essa impressão de que a entidade tem algo a ver com isso?

Os jogadores do Peru confessaram ter recebido mala preta para perder em 1.978 para a Argentina, que precisava de quatro gols para tirar o Brasil e vencer a Copa em seu próprio país. Nesse jogo, a Argentina fez seis. Foi uma das maiores goleadas da história das Copas. Se a Fifa tivesse mandado investigar o caso e punir criminalmente quem foram os subornadores, teríamos ainda essa sensação de que coisas estranhas acontecem com a sua complacência?

Se o Brasil tivesse feito a mesma coisa que a Argentina em 1.978, as coisas teriam sido diferentes?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Brasil não sabe perder



A fragorosa derrota para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, por inimagináveis 7 a 1, serviu como um bom exemplo do maior problema do país: o Brasil não sabe perder.

O motivo é um só. Fazemos alta conta de nós mesmos, dormindo em berço esplêndido num país de grande potencial, e não aceitamos nada menos que nossos sonhos de grandeza e de vitória. Por décadas, compensamos nossa frustração com as mazelas do país com aquilo em que nos achamos bem sucedidos. E o fato é que não sabemos perder tanto num campo como no outro, o da vida e o do futebol.

O resultado da Copa foi de vitórias e fracassos. Organizamos uma boa Copa, com belos estádios e bom futebol. Aconteceram coisas muito graves, como o superfaturamento dos estádios, e incidentes que falam muito mal a respeito do nosso país. Morreu um jornalista argentino de 38 anos, atirado para fora do táxi ao ser abalroado por um veículo roubado, perseguido pela polícia. Durante a festa, caiu um viaduto em Belo Horizonte. Isso, porém, vai ficar embaixo do que até parece um desastre maior: o vexame da seleção, levando uma goleada histórica dentro de casa.

O Brasil acha que tem de ser sempre grande, e reage mal à derrota, negando seus males e sua responsabilidade. Uns fazem piada, e somos prolíficos nisso. (A minha preferida, foi de um internauta que diz só assistir o UFC, porque lá o juiz pelo menos interrompe tudo quando alguém está apanhando muito). A outra reação tipicamente brasileira ao insucesso, refletida na imprensa brasileira, é criticar tudo na derrota, com a marca da maldade, nesse caso cravada nos jogadores e na comissão técnica.

O brasileiro gosta de ironizar, falar mal e jogar a culpa sobre as nossas mazelas nos políticos, quando se fala do país, e nas derrotas esportivas sobre o técnico ou algum outro bode expiatório. O derrotado, no Brasil, fica marcado a fogo, como o velho e falecido Barbosa, goleiro da seleção de 1.950. Foi triste ver os jogadores da seleção, ao final do jogo, sem saber o que fazer: se saíam de fininho, ou agradeciam a torcida que os apupava e procurava afugentar como um bando de cachorros sarnentos. Não foram só os jogadores, porém, que perderam. Quem perdeu foi o Brasil.

Assim como o povo brasileiro, em campo os nossos jogadores demonstraram que não sabem perder. E, dessa forma, não sabem também ganhar. Por isso, não surpreendeu o choro depois da sofrida vitória nos pênaltis diante do Chile. Os atletas brasileiros mostraram aí o quanto faltava estrutura psicológica para enfrentarmos as dificuldades de uma Copa dentro de casa. Jogaram a responsabilidade para a torcida, denunciando uma grande "pressão". A torcida não tinha culpa de torcer, ou de cantar o hino, ou de cobrar vitória, ou lançar emoção nas partidas. E os jogadores não podiam ter desmontado daquela forma, como se a Copa tivesse acabado no dia do Chile. Para nós, o sonho de vitória, pressentia-se, terminava mesmo aí. E de fato apenas ganhamos uma sobrevida, com a imerecida vitória contra a Colômbia. Porque contra a Alemanha nem chegamos a jogar.

Qual é o problema do nosso aparente antipatriotismo, da nossa mania de falar mal de nós mesmos, da nossa recusa em olhar para nossos erros? É que, jogando sempre a culpa nos outros, não aprendemos nada com as derrotas. Esta Copa foi cheia de lições de futebol e também para o país. O brasileiro parece ser brasileiro apenas antes do jogo e, depois, na vitória. Não sabe ser brasileiro na hora de levantar a poeira e dar a volta por cima. A Espanha, última campeão do mundo, levou uma biaba tão feia quanto a nossa nesta Copa, ao ser goleada pela Holanda, mas não levou a derrota tão fundo na alma. Mas a Espanha é um país de primeiro mundo, sem esses complexos que o Brasil gosta de carregar para aliviar o peso da frustração consigo mesmo.

Qual é a realidade que temos de encarar, o que temos a aprender? O Brasil perdeu porque se preparou mal. Os alemães mantiveram um time que já tinha ido bem na Copa anterior e, eles sabiam, precisava ainda amadurecer para vencer. E amadureceu. Manteve os jogadores, um técnico jovem e técnicas de preparação que incluiu desde softwares sofisticados a aulas de ioga e relaxamento. Construiu um centro de treinamento próprio na Bahia. Os alemães pensam no longo prazo e criam tijolo sobre tijolo as condições para a vitória.

Já nossa seleção primou pela falta de estrutura, mesmo numa organização rica como a CBF. Descobrimos, no jogo contra o Chile, que os jogadores não dispunham nem mesmo de acompanhamento psicológico. Uma psicóloga foi chamada às pressas para tentar reerguer o moral da equipe. O que se conseguiu foi um remendo, que rasgou completamente assim que o Brasil tomou o primeiro gol alemão.

Felipão gosta de bancar o paizão, mas sua especialidade não é a psicologia. Com a caricatural macheza gaúcha, chegou a ventilar um mal estar interno ao dizer que se arrependera de convocar um dos dos 23 jogadores, uma maldade tão gratuita quanto inútil e contraproducente dentro de qualquer equipe. Felipão também não sabe perder. Deixou a responsabilidade da derrota para os jogadores, atribuindo-a ao "apagão" no qual levamos gols em sequência. E escamoteou o fato de que o Brasil se preparou mal tecnicamente.

A CBF, representada por José Maria Marin, um político sem nenhuma expressão, confiou demais na experiência de Felipão e Parreira, dois técnicos campeões, mas já ultrapassados. Felipão não soube armar a equipe no início e piorou diante das dificuldades que foram surgindo e exigiam inteligência e ação. Por sua vez, o técnico confiou demais na equipe que ganhou a Copa das Confederações, sem rever as peças que andavam mal, como Fred e Paulinho. E não soube o que fazer quando perdeu dois de seus mais importantes jogadores: Neymar, que levava o ataque sozinho nas costas, enquanto esteve jogando, e Thiago Silva, que com David Luiz vinha não apenas salvando a defesa, apesar do desempenho desastroso dos laterais, como ainda ajudava o ataque. É bom lembrar, foram os zagueiros que marcaram os dois gols na vitória contra a Colômbia.

O Brasil não soube lutar dentro e fora de campo. Neymar foi perseguido em todos os jogos, até o lance criminoso que o tirou da Copa e do futebol por um bom tempo. Em todas as partidas, recebeu no primeiro lance uma pancada dura como "cartão de visita". Em nenhum desses lances, o jogador adversário recebeu o cartão amarelo, ou sequer uma advertência, assim como na entrada em que o craque brasileiro foi literalmente quebrado ao meio.

Jogamos contra os adversários em campo e a Fifa fora dele. Pelos critérios adotados pela entidade, a maioria dos times de tradição em Copa do Mundo ficaram no lado da chave aonde estava o Brasil. A designação dos cabeças de chave segundo um ranking formulado pela própria Fifa, com Colômbia e Bélgica à frente de grandes forças, é uma forma evidente de manipulação ou de indução aos resultados. Não era difícil imaginar que Argentina ou Holanda chegariam à final. Não fossem algumas zebras, o Brasil poderia já ter sido eliminado antes, no cruzamento com a Espanha ou o Uruguai.

O Brasil também se dobrou a exigências absurdas, como expulsar do país um jogador (Suárez) que nem sequer foi expulso de campo, por normas de uma entidade que ocupa o país-sede com leis próprias e sua periferia de encrencas, incluindo cambistas que habitam o mesmo hotel aonde se hospeda sua suspeita diretoria.

O Brasil precisa parar de falar mal de si mesmo e trabalhar de forma construtiva. Reconhecer os erros e entender o que aconteceu é a única forma de construir um futuro melhor, e não falo apenas do futebol.

E eis a verdade: o Brasil não fez nenhum jogo nesta Copa de encher os olhos. Deixamos de mostrar força fora de campo, em defesa do nosso talento, de maneira que os árbitros continuaram a permitir a caçada a Neymar, impunemente. Viramos as costas para o fato de que a Copa é um jogo cheio de interesses, dos altos apostadores que hoje usam a internet para ganhar dinheiro aos patrocinadores capazes de transformar em marketing até mesmo os votos de solidariedade de colegas a um companheiro machucado.

A Copa é um jogo viciado, mas o Brasil até poderia ganhar, com outra postura. O Brasil quer ser sempre grande, mas precisa agir grande, para voltar a vencer. Com realismo no olhar sobre si mesmo e inteligência na preparação.

*
Acabo de terminar um livro sobre a descoberta do Brasil, e a Copa me ajudou a ver que somos assim desde sempre. Nossa mania de grandeza vem de longe, assim como nossa omissão na solução dos problemas que nos separam da grandeza real. Essa vocação para reclamar de tudo sem olhar para o próprio umbigo está na raiz do povo brasileiro. Nelson Rodrigues estava errado. O complexo de vira-lata não acabou com o Brasil campeão e copeiro. Ainda está aí, vivo, pungente a cada derrota transformada por nós, como na letra do hino que gostamos tanto de cantar quando ainda estávamos acreditando, em fracasso retumbante.